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Preocupação ambiental marca debate sobre projeto de regularização fundiária

Na terceira audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (CMA) para debater o PL 510/2021, que altera regras de regularização fundiária em terras...

Redação
Por: Redação Fonte: Agência Senado
10/05/2021 às 02h46
Preocupação ambiental marca debate sobre projeto de regularização fundiária
A proposta unifica a legislação sobre o tema para todas as regiões do país - Reprodução/Tv Senado

Na terceira audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (CMA) para debater o PL 510/2021, que altera regras de regularização fundiária em terras da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), divergências sobre a matéria deram o tom nas discussões. De autoria do senador Irajá (PSD-TO), o projeto unifica a legislação sobre esse tema para todas as regiões do país e que retoma pontos da Medida Provisória 910/2019, que perdeu a validade em maio de 2020.

Solicitada pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES), a audiência foi pautada por preocupação por melhor instrução dos senadores quanto às questões relacionadas ao marco temporal previsto no projeto, seu campo de atuação, dispensa de vistoria prévia da área a ser regularizada, entre outros pontos colocados em debate.

Legalidade fundiária

Após contextualizar inicialmente aspectos legais fundiários e garantir que, ao contrário do que se imagina, há na legislação maior proteção da área pública do que da particular, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin chamou atenção para preocupações específicas com o PL 510/2021.

— No passado, nós tínhamos — e temos ainda — uma preocupação com o combate à ilicitude, que tem a ver com a criação da chamada "cultura da legalidade fundiária", que se baseia, na regularização para trás e na rigorosidade para a frente. Qualquer projeto de lei deve levar em consideração estes aspectos: eu vou regularizar para trás, e aí vem a questão do marco temporal, mas o que eu posso melhorar para a frente, inclusive com mais rigor legal, para facilitar essa cultura da legalidade? Então, de um lado, trata-se de criar mecanismos de regularização fundiária e, em segundo lugar, criar mecanismos ou ampliar mecanismos que desestimulem a ilegalidade no campo e, portanto, a própria insegurança jurídica — diz o ministro.

Alterações propostas no texto ao artigo 5º da Lei 11.952, de 2009, preocuparam o ministro, quando delimita no parágrafo 1ºque “Fica vedada a regularização das ocupações em que o ocupante ou o seu cônjuge ou companheiro exerçam cargo ou emprego público no Ministério da Economia; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Incra; Secretaria do Patrimônio da União (SPU) ou nos órgãos de terra estaduais ou do Distrito Federal”.

— Aparentemente, é uma lista em numerus clausus, ou seja uma lista fechada. Então, o juiz pode grilar terra no Brasil, ocupar ilegalmente... Promotor de Justiça, Procurador da República! O Delegado de Polícia da cidade não está nesta lista. Então aqui está um dos exemplos em que, certamente, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT, relator do PL), com o seu grande conhecimento, e também o senador Irajá poderão, juntos, melhorar o que já existe no sentido de fechar e, realmente, estabelecer uma cultura de legalidade fundiária no nosso país — expôs o ministro.

Ao enfatizar que há dispositivos técnicos bem elaborados, mas outros que precisam de ajustes, o ministro do STJ assinalou ainda preocupação com o campo de aplicação da lei que estaria sendo mudado.

— Essa lei, na sua redação atual, tem como campo de aplicação a Amazônia Legal. E a ementa retirou também o artigo 1º, retira essa aplicação ou campo de aplicação limitado e deixa a lei aberta para o país como um todo. Penso que o debate até hoje foi feito olhando para a Amazônia. Nós não sabemos o impacto dessa lei com os requisitos que tem para todos os biomas brasileiros. Nós não fizemos esse estudo — pontuou.

Marco legal

A legislação atual permite a regularização de terras ocupadas antes de 22 de julho de 2008. Pela proposta, o marco temporal passa a ser o de 10 de dezembro de 2019.

Relator da matéria, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) afirmou que quer apresentar um relatório que promova efetividade na regularização fundiária no país.

— Apesar de divergências quanto ao projeto de lei e à forma, não encontrei quem fosse contra a regularização fundiária. Alguns acham que por eu ser produtor, não tenho preocupação ambiental, o que é um erro. Terras propícias, gente vocacionada, máquinas e tecnologias são grandes ativos, mas nenhum deles se compara ao meio ambiente. Temos de preservar e desenvolver, fazer as duas coisas caminharem juntos. O senador Irajá procurou fazer um projeto moderno e estamos debatendo — afirmou Fávaro.

O relator afirmou que não quer e não vai avançar para “passar a mão na cabeça de grileiros de terra”.

—  Por isso, tenho a convicção de não mexer no marco legal atual. O projeto atenderá tão somente pequenos e médios produtores desse país e esse será o conceito que quero apresentar aos senadores.

Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), cabe ao relator tirar o rótulo de “PL da grilagem”.

— Estamos ajudando a fazer a legislação, mesmo em tempo de pandemia, em situação remota. A questão de definição de infração ambiental me preocupa muito. Vamos manter o marco temporal. No mais, acho que o relator ouviu e acolheu nossas sugestões.

Contarato reforçou pontos do projeto que o preocupam como a data limite para a regularização de terras públicas, anistia e a dispensa de realização da vistoria prévia de imóveis a serem regularizados.

— Temos de ter a responsabilidade ambiental, nacional e internacional — afirmou.

Também fizeram questionamento quanto aos impactos do projeto os senadores Izalci Lucas (PSDB-DF) e Wellington Fagundes (PL-MT).

Meio ambiente

As preocupações ambientais foram amplamente defendidas pela procuradora da República e ex-coordenadora da Força Tarefa Amazônia do Ministério Público Federal Ana Carolina Haliuc Bragança; pelo procurador da República do Rio de Janeiro e coordenador do Grupo de Trabalho Reforma Agrária e Conflitos Fundiários da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Julio José Araujo Júnior e pela promotora de Justiça do Ministério Público do Pará e professora da Universidade Federal do Pará Eliane Cristina Pinto Moreira.

O papel do Estado de observar as terras públicas, definindo-as como terras indígenas, quilombolas, para concessão florestal, para reforma agrária, ou uso agropecuário, entre outras destinações, não pode ser de apenas regularizar, mas principalmente de ordenação, segundo a procuradora Ana Carolina Bragança.

Ela enfatizou a constância de ajuizamento de ações civis públicas em que se vê por parte dos réus, perante os juízes, a afirmativa de que se tratam de “laranjas”, evidenciando circunstâncias de fraudes.

A nossa legislação atual já atende grande parte dos pequenos agricultores e produtores rurais na Amazônia e poucas pessoas, médios e grandes proprietários, serão efetivamente beneficiadas pelos dispositivos trazidos pelo PL 510/2020. A tendência deste PL é de aprofundar injustiças e não de promover a ordem, a justiça e o estado de legalidade nas zonas rurais de nossa Amazônia — afirmou a procuradora.

Na mesma linha, o procurador Julio José Araujo Júnior salientou a importância de se entender qual é o cenário das terras públicas, tanto federais, como estaduais, para que o Estado brasileiro possa incidir com planejamento e organização da sua destinação, com controle social e participação efetiva, proteção suficiente e constitucionalmente adequada de bens jurídicos fundamentais.

— Não é mudando essa legislação, aprofundando-a ou aumentando-a, que a gente vai conseguir adequar a proteção de todos esses bens jurídicos. Há muita preocupação também com alguns sinais, como a previsão da possibilidade de pessoas regularizarem mais de um imóvel, sendo proprietários de outros imóveis, e isso tudo gera um cenário de muita insegurança, insegurança em que se transforma e se inverte a lógica em relação à regularização fundiário — defendeu Júnior.

A promotora de Justiça no Pará Eliane Cristina Pinto Moreira enfatizou que o avanço da ação antrópica ruma à floresta Amazônica, o que resulta em conflitos graves, como os regularmente registrados no estado em que atua.

Notícias de flexibilização de regularização fundiária acabam por gerar crescimento do desmatamento na região, ao mesmo tempo em que a titulação de terras indígenas e de povos tradicionais anda a passos lentos, segundo a promotora.

— Quem se beneficia [com essa política pública]? Quem ocupou ilegalmente terra pública após 2008. E assim, ela premia a grilagem. Ela cria mecanismos que oportunizam a regularização fundiária para o desmatador, e com isso ela premia quem desmatou para grilar. E ela fecha os olhos à realidade da terra e à existência de conflitos no campo ao não vistoriar e, com isso, incentiva conflitos agrários.

Irregularidades

Segundo o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Raoni Guerra Lucas Rajão, o Tribunal de Contas da União (TCU), desde 2014, tem uma série de auditorias realizadas especificamente sobre o Terra Legal, levantando uma série de irregularidades.

— Para começar, por exemplo, da amostragem que foi analisada, tivemos que 11% não atenderam aos requisitos e foram titulados e 38% com indícios de não estarem se enquadrando dentro da regularização fundiária (...). E quais são as conclusões principais do TCU? Facilitação da grilagem de terras públicas por meio da ação estatal. Isso é muito preocupante, porque nós, não só não temos o controle, mas nós temos atuação do órgão e o próprio uso da legislação atual para facilitar uma ação criminosa, que é o roubo de terras pública. Há ocupação de áreas excedentes aos limites legais estabelecidos, principalmente pela legislação ambiental — isso é uma constante — e permanência irregular dos posseiros que não cumprem essa legislação, que não cumprem os critérios pós-titulação.

Especialista internacional em governança e administração de terras, Richard Martins Torsiano apontou que somente 1.837 imóveis, em 241 mil há, sobrepostos a glebas federais e que desmataram entre 2008 e 2012, seriam potencialmente beneficiados pelo PL 510/2021.

— A alteração do marco temporal é um risco e não se justifica pela demanda (1% dos registros) ou por algum benefício que hipoteticamente poderia trazer ao agronegócio, às comunidades locais ou ao país — disse.

Também demonstram preocupação com pontos do projeto a advogada do Instituto Socioambiental, Juliana de Paula Batista e do diretor de Políticas Públicas do WWF-Brasil Raul Silva Telles do Valle, convidados para a audiência pública.

Agronegócio

Para o copresidente da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Marcello Brito, o desenvolvimento socioeconômico depende prioritariamente da regularização fundiária.

— O que precisamos é facilitar o processo já existente através da estrutura do Incra. O agronegócio tem sido o desenvolvedor em várias regiões do país. O Norte e Nordeste ficaram aquém desse processo de desenvolvimento porque não foram inseridos no agronegócio — expôs.

Para Brito, o PL 2.633/2020, em tramitação na Câmara, que já teria sido amplamente discutido, deveria se sobrepor ao PL 510/2020, por estar pacificado.

 

 

 

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