Por 72 votos a favor e nenhum contrário, o Senado aprovou nesta quinta-feira (6) o projeto que incentiva a indústria farmacêutica nacional, buscando a reduzir a sua dependência de insumos importados. O PL 4.209/2019, do senador Alvaro Dias (Podemos-PR) e do então senador Siqueira Campos, propõe que todo medicamento com insumo farmacêutico ativo (IFA) produzido no Brasil seja enquadrado na categoria de precedência prioritária para registro e para alteração pós-registro junto à Anvisa. Isso quer dizer que esses medicamentos, nos referidos processos, terão avaliação e deliberação final com prazos mais rápidos do que aqueles enquadrados na categoria ordinária.
A proposta altera a Lei 6.360, de 1976, que regula a atuação da vigilância sanitária sobre medicamentos, drogas, cosméticos e correlatos. O texto recebeu voto favorável, com duas emendas do relator, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), e segue para a Câmara dos Deputados.
Eduardo Gomes propôs estabelecer o prazo prioritário também para a análise dos documentos administrativos e de qualidade dos insumos farmacêuticos ativos nacionais utilizados na fabricação de medicamentos. Pela emenda do senador, a emissão de certificação administrativa e de qualidade nesses casos poderá ocorrer de forma independente do registro sanitário dos medicamentos novos, inovadores, genéricos e similares. Isso porque se tratam de processos que ocorrem separadamente, esclarece no parecer.
A outra emenda prevê que mesmo que o IFA não seja produzido integralmente no Brasil, mas seja parcialmente, também fará jus ao enquadramento na categoria de precedência prioritária.
O relator observou que a proposta traz um incentivo, e não uma imposição ao polo farmacêutico nacional. No ponto de vista de Eduardo Gomes, o estímulo ao processamento do IFA no mercado interno vai permitir à indústria farmacêutica brasileira controlar todas as etapas de fabricação de medicamentos: da síntese da matéria-prima (princípio ativo ou IFA) até o produto final.
“Esse projeto não pretende interferir no modelo de negócio das empresas, que poderão decidir sobre a conveniência de instituir a fabricação nacional de IFA”, esclarece no parecer.
Segundo definição da Anvisa, IFA é uma substância química ativa (fármaco, droga ou matéria-prima) que tenha propriedades farmacológicas com finalidade medicamentosa. Trata-se do princípio ativo do medicamento, ou seja, a substância responsável pelo seu efeito terapêutico.
Os autores da proposta citaram estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre o desempenho do setor farmoquímico nacional de 2011 a 2013 que constatou que, apesar de a maior parte dos medicamentos consumidos no Brasil ser fabricada no mercado interno, apenas pequena parcela é produzida com IFAs processados no país. Esse levantamento conclui que há grande necessidade de reativar a produção nacional de IFA de vários tipos de fármacos, notadamente os antibióticos e os medicamentos para doenças neurológicas, cardiovasculares e negligenciadas.
Hoje, o Brasil fabrica apenas 5% de todos os insumos necessários para a produção de seus medicamentos, importando a maior parte da China e da Índia, responsáveis pela fabricação de 40% dos insumos utilizados no mundo inteiro.
Mais de 90% de todos os medicamentos acabados e princípios ativos de genéricos são trazidos de outros países. "Isso torna a indústria nacional dependente da importação de insumos e, portanto, vulnerável a desabastecimentos por parte de fornecedores", afirma o relatório de Eduardo Gomes.
O relator também destacou que a importação de IFA gera impactos na fiscalização sanitária desses produtos, tonando-se necessário que as autoridades sanitárias atuem seguindo protocolos e inspeções mais rigorosos.
Ele conclui que o projeto deverá "fomentar o desenvolvimento da indústria farmacêutica brasileira, tornando-a mais competitiva tanto no mercado nacional, quanto internacional".
O Brasil tem o sétimo maior mercado farmacêutico do mundo. Segundo dados da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), é o maior mercado farmacêutico da América Latina e supera o de alguns países desenvolvidos como Reino Unido, Itália, Espanha e Canadá.
Em 2019, conforme dados da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), os brasileiros gastaram mais de R$ 120 bilhões nas farmácias.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), a indústria farmacêutica brasileira atingiu seu ápice na década de 1980, com um crescimento de 8% ao ano, quando fabricava 55% de seus insumos. Mas na década seguinte deixou seu posto de autossuficiência e passou por um processo de “especialização regressiva”.
Com a abertura comercial dos anos 1990, tornou-se mais barato importar medicamentos e insumos do que os fabricar, o que desestimulou a produção local de farmoquímicos. Isso transformou a cadeia farmacêutica em um grande importador, tanto de IFAs quanto de medicamentos prontos. Desde o ano passado, a pandemia de covid-19 chamou ainda mais a atenção para a questão, diante dos perigos para a saúde pública da ruptura de fornecimento dos insumos.