O espaço em formato de blog criado pelo ex-presidente Trump na última terça-feira (4/5) em seu website para retomar contato online com seguidores é o primeiro passo para cumprir a promessa feita aos apoiadores no dia 15 de janeiro, quando deixou a presidência – a de que voltaria de alguma forma. A novidade permite a publicação de postagens de texto, imagens e vídeo sem a necessidade de intermediação de plataformas.
Lançada na véspera do resultado do julgamento do Conselho de Supervisão do Facebook, que decidiu no dia seguinte manter o banimento do ex-presidente da rede social, o blog se tornou ainda mais importante para Trump contornar o bloqueio das plataformas.
Foi de lá que ele adotou seu conhecido estilo virulento para protestar contra a decisão que classificou de “desgraça total”, em uma postagem logo após o resultado.Um banner convocando apoio passou a recepcionar os visitantes do site depois do veredito.
A ferramenta – chamada de “Da Mesa de Donald J.Trump” em alusão ao tempo em que ocupava o cargo e dando a ideia de que ele ainda dirige o país – não permite interação, mas foi desenhada para facilitar o compartilhamento de mensagens no Facebook e no Twitter. Além dessas duas plataformas, Trump está banido também do Instagram, YouTube e Snapchat em virtude da incitação à invasão do Capitólio em janeiro.
Depois de testar por anos os limites das mídias sociais postando comentários incendiários e declarações enganosas ou falsas, será um novo round na briga de Trump com as gigantes tecnológicas.
Isso porque as plataformas proíbem os usuários de burlar suas suspensões recorrendo a contas alternativas para postar.
Esse recurso já fez com que o Twitter e o Facebook tomassem medidas no início do ano contra a conta de campanha de Trump e a de sua nora, Lara Trump, que estavam sendo usadas com esse objetivo, além da retirada de posts da conta oficial da Casa Branca utilizados para refletir as posições de Trump.
O Twitter disse ao site americano Politico no dia do lançamento da novidade que o compartilhamento do conteúdo do novo site “Da Mesa de Donald J. Trump” poderá ser permitido, “desde que não viole as regras da plataforma”.
Ressaltou, no entanto, que medidas serão tomadas se os usuários tentarem imitar a conta de Trump ou se sua “única intenção for substituir a conta suspensa”. O Politico não recebeu resposta do Facebook.
O YouTube disse à Fox que restaurará o canal de Trump quando decidir que o risco de violência já diminuiu.
Já o Twitter, onde Trump tinha 88 milhões de seguidores, disse à mesma emissora que o banimento do ex-presidente é definitivo e que não voltará atrás qualquer independentemente da decisão do Conselho do Facebook.
A primeira a noticiar o novo palanque digital de Donald Trump foi a emissora conservadora Fox, aliada de longa data, que descreveu a iniciativa como uma “plataforma de comunicação”, embora ela não permita a interação.
A emissora disse que a tecnologia parece ser impulsionada pelo Campaign Nucleus – o “ecossistema digital feito para gerenciar campanhas e organizações políticas com eficiência”, criado pelo ex-gerente de campanha de Trump, Brad Parscale.
A seção, no formato de um blog, foi inserida no site donaldjtrump.com, usado como principal portal da campanha presidencial derrotada. Ele é usado para arrecadar dinheiro e vender os produtos com a logomarca MAGA – Make America Great Again.
Uma janela com produtos à venda recepcionava os visitantes até o veredito do Facebook, quando foi substituída pela convocação de apoio.
Apesar de criado após Trump deixar a presidência, o espaço ‘Desk” vem reforçar a sensação de “realidade paralela” que o site transmite, a de que Trump continua à frente da nação.
Na página de abertura, uma foto do ex-presidente batendo continência é acompanhada da frase “Juntos estamos reconstruindo nossa nação”, com o verbo no presente. A nova seção “Da mesa de Donald J. Trump” é aberta com um vídeo ufanista e segue com uma lista de textos curtos, perfeitos para serem postados em redes sociais por seus apoiadores, com os ícones dispostos na lateral.
A seção de notícias traz statements (posicionamentos) “de Donald J. Trump, 45º Presidente dos Estados Unidos”. O fato de já existir um 46º presidente sentado na cadeira da Casa Branca parece não importar muito para aqueles seguidores de Trump que insistem em acreditar que as eleições teriam sido fraudadas.
No topo do novo espaço, ao lado de uma foto de Trump assinando documentos na mesa do presidente, um vídeo de lançamento com 30 segundos anuncia a nova empreitada:
“Em um momento de silêncio e mentiras, surge um farol de liberdade. Um lugar para falar com liberdade e segurança, direto da mesa de Donald J. Trump.”
Embora se apresente como um lugar para falar com liberdade, a plataforma não permite que os leitores comentem ou respondam às postagens de Trump, e nem se comuniquem entre si. O vídeo termina com a mensagem “Save America”
O novo espaço tem a aparência de uma rede social, com posts curtos e no mesmo estilo que o presidente sempre utilizou quando estava nas redes sociais. Além dos comandos para compartilhá-las, os visitantes podem “curti-las”.
Ente as primeiras postagens mais recentes, de 3 de maio, Trump continua a incitar seus seguidores a acreditar na teoria conspiratória da fraude nas últimas eleições:
“A fraudulenta eleição presidencial de 2020 será, deste dia em diante, conhecida como A GRANDE MENTIRA!”
No mesmo dia, em contraste, a mensagem que saiu da mesa do presidente real, no site oficial da Casa Branca, fazia alusão ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa:
Do novo espaço de comunicação no donaldjtrump.com pode-se acessar o novo site 45office.com, lançado em 29 de março e que faz alusão ao mandato de Trump como 45º presidente dos Estados Unidos. Os dois sites foram interligados, e da “Desk” pode-se acessar o novo site pela aba “Contatos”, fazendo com que a sensação da realidade paralela se intensifique ainda mais.
Esse acesso leva ao portal “The Office of Donald J. Trump”, elaborado com o conceito de quem já foi presidente nunca perde a majestade. Para começar, a parte superior de cada página utiliza um selo que se confunde com aquele oficial do gabinete executivo do presidente em exercício:
A home rivaliza com a página de abertura do site oficial da Casa Branca:
Na página inicial, o portal informa as pretensões de Trump:
“Ele continuará sendo um defensor incansável dos homens e mulheres que trabalham duro em nosso grande país – e por seu direito de viver em segurança, dignidade, prosperidade e paz”.
Como o portal oficial da Casa Branca, o “The Office of Donald J. Trump” também é dividido em cinco seções, embora não sejam as mesmas.
Na seção de Contatos, há um formulário para os seguidores que desejarem se conectar com o casal, com o aviso: “Donald J. Trump e Melania Trump gostam de ouvir o povo americano. Em um esforço para garantir que suas solicitações e comentários sejam recebidos em tempo hábil, é altamente recomendável que você envie toda a correspondência online. O Presidente e a Sra. Trump preferem não receber cartas, presentes, perguntas e convites pelo correio.” Não há qualquer possibilidade de interação online, e todo o processo fica sob o controle dos administradores do site.
Na seção de Imprensa, com a qual Trump manteve um relacionamento tenso durante todo o seu mandato, também não há possibilidade de interação e nem de os jornalistas acompanharem o andamento de suas solicitações. O aviso é ainda mais seco:
“Donald J. Trump e Melania Trump gostam de ouvir o povo americano. Devido ao volume de solicitações de mídia que o Presidente e a Sra. Trump recebem, não forneceremos atualizações de status”.
Duas seções do portal da Casa Branca não aparecem no de Trump. São as seções da Covid-19 e a em Espanhol. Dois temas nos quais Trump parece nunca ter estado muito interessado.
Ao contrário dos demais ex-presidentes, Trump não descarta a ideia de voltar à Casa Branca. Para tanto, suas postagens no novo espaço têm repetido as falsas alegações da fraude eleitoral nas eleições e buscam ampliar sua influência dentro do Partido Republicano.
O site tem uma lista de inscrição para as pessoas inserirem seus números de telefone e endereços de e-mail, a fim de receber alertas quando Trump postar uma nova mensagem.
A nova plataforma, que surge após um período de relativo isolamento digital rompido com a intensificação recente de declarações por meio de seu escritório ou por entrevistas a meios de comunicação aliados, vai procurar determinar os destinos de figuras do partido, como demonstram as duas das postagens iniciais:
Num deles, Trump comemora os baixos índices nas pesquisas de Liz Cheney, líder do partido republicano na Câmara e que votou a favor de seu impeachment. Diz que os eleitores de Wyoming nunca gostaram muito dela e que ela não deveria voltar a concorrer em outras eleições no estado. Cheney voltou a ser atacada depois em novos posts.
Em outro, ataca o senador republicano Mitt Romney, que votou a favor de sua condenação por abuso de poder. Comemora vaias contra ele na Convenção Republicana de Utah e o chama de perdedor, como se ele próprio não tivesse perdido as últimas eleições para Biden.
O novo site é um passo pequeno em relação ao muito que se falou sobre quais poderiam ser os próximos movimentos de Trump no mundo digital. Para contornar as proibições das plataformas, ele já sinalizou que pretende lançar sua própria rede social, onde ele mesmo ditará as regras
Também se falou que poderia aderir a plataformas alternativas com políticas de moderação menos rigorosas e por isso mesmo muito populares entre os conservadores, como a Parler.
Perto do poder de fogo do Facebook e seus 2,7 bilhões de membros, o novo site chega a ser insignificante. Mas Jason Miller, conselheiro sênior de Trump de longa data, tuitou que a iniciativa é apenas o começo para o retorno online do ex-presidente em todo o seu esplendor:
“O site do presidente Trump é um ótimo recurso para saber de suas últimas declarações e dos destaques de seu primeiro mandato, mas esta não é uma nova plataforma de mídia social. Teremos informações adicionais sobre esse assunto em um futuro muito próximo.”
A passagem de Donald Trump pela presidência foi marcada por um clima de hostilidade com a imprensa e pela disseminação de fake news associadas ao líder nos primeiros meses da pandemia. O projeto US Press Freedom Tracker contabilizou mais de 2, 5 mil tweets do ex-poresidente contra a Imprensa nos cinco anos e meio em que ocupou o cargo, média de 1 por dia. A Universidade de Cornell apontou-o como o principal gerador de fake news sobre a Covid-19. Com o novo espaço, ele volta a ter uma plataforma para retomar sua trajetória nas redes sociais.