A Constituição federal de 1988 já havia previsto, no seu artigo 163, uma lei complementar específica para tratar das finanças públicas do país. Contudo, passados dez anos, ainda havia um vácuo legislativo, e foi preciso que uma emenda constitucional (EC 19/1998) desse um ultimato ao Poder Executivo para que enviasse ao Congresso uma proposta sobre o tema. Estava aberto o caminho para a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
No Senado, o texto (PLC 4/2000) não teve tramitação demorada. Em dois meses, passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sob a relatoria de Alvaro Dias (PR); pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), com Jefferson Peres (PDT-AM) como relator; e pelo Plenário, onde foi aprovada em 11 de abril, com 60 votos favoráveis e 10 contrários. Houve ainda três abstenções.
Cumprindo seu terceiro mandato consecutivo como senador, Alvaro Dias — então no PSDB e agora está no Podemos — lembra que a norma que se tornaria um modelo de controle fiscal não obteve maiores resistências para aprovação no Senado, apesar das críticas de que ela dificultaria a gestão pública e da necessidade de uma mudança cultural dos gestores públicos brasileiros.
Como o senhor acha que seria o Brasil hoje se não houvesse a Lei de Responsabilidade Fiscal?
Alvaro Dias: Essa lei mudou o conceito de gestão pública no país e sem ela haveria uma dramática desorganização nas contas da União, dos estados e dos municípios. O sucesso da Lei de Responsabilidade Fiscal reside no fato de que ela passou a exigir algo inédito no Brasil: o respeito a limites de gastos em todas as esferas, pondo fim ao verdadeiro festival de gastança que existia nos governos federal, estaduais e municipais e que alimentava a inflação.
O senhor acha que o Plano Real teria sido bem-sucedido sem a aprovação da norma?
Alvaro Dias: O Plano Real teve sucesso exatamente porque contou com uma legislação exigindo responsabilidade nos gastos públicos. Se não tivéssemos aprovado, teríamos governos com estruturas ainda mais agigantadas, com gastos de custeio dispensáveis e sem que houvesse qualquer mecanismo de fiscalização e de controle rigoroso para impedir o desperdício e a corrupção.
Na época da votação, em 2000, o senhor era senador. Qual foi a maior dificuldade para aprovar esse novo marco legal?
Alvaro Dias: Eu fui o relator da Lei de Responsabilidade Fiscal na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, durante a discussão dela no Congresso, pudemos ouvir avaliações de diversos especialistas em gestão pública que defendiam que a aprovação da nova lei se tornaria um modelo em comparação com leis de controle fiscal de outros países desenvolvidos.
Houve muita dificuldade para a aprovação?
Alvaro Dias: Em meu relatório, conseguimos obter amplo consenso entre os senadores sobre três pilares fundamentais que iriam distinguir a nova legislação em relação à de outras democracias modernas: a ampla abrangência, pelo fato de cobrir todo o setor público; o foco sobre a transparência fiscal e os requisitos de prestação de contas; e as sanções que acompanham o não cumprimento da lei. Esses parâmetros foram amplamente aceitos pelos parlamentares e acredito que hoje atestam o êxito na implantação da LRF.
São justas as críticas de que a norma engessou demais a vida do administrador público? É necessária alguma alteração?
Alvaro Dias: Não concordo com essas críticas. A LRF evitou irregularidades, evitou trapaças na administração através de governantes menos preparados para o exercício da função, sobretudo sob o ponto de vista do comportamento ético. No governo Dilma, por exemplo, tivemos inúmeras violações à Lei de Responsabilidade Fiscal, como ausência de registro de dívidas e despesas primárias nas estatísticas fiscais; obtenção de crédito em desconformidade com a LRF; pedaladas fiscais; contabilidade criativa entre outras. Se fosse possível fazer novas alterações na Lei, que elas viessem para impor ainda mais rigor no trato das contas públicas.