O boicote às mídias sociais contra o racismo online iniciada pelos clubes de futebol ingleses e que se espalhou por outros esportes tem entre os seus objetivos apressar a aprovação da nova regulamentação das mídias sociais no Reino Unido, conhecida como lei de danos online. E fazer com que suas determinações não sejam abrandadas durante a tramitação.
Uma grande vitória já foi conseguida: o combate ao racismo será incluído no Discurso da Rainha no próximo mês, alçando o tema do âmbito do futebol ou esportivo para uma questão nacional. Ela endossará que o racismo seja incluído na nova lei como um dos danos online no mesmo nível que o anti-semitismo, a promoção do suicídio e o incentivo à automutilação.
Os gigantes da mídia social que não conseguirem reprimir o racismo enfrentarão multas de até 10% de seu faturamento global ou £ 18 milhões (cerca de R$ 134 milhões), o que for mais alto.
A nova lei se aplicará a empresas que hospedam conteúdo gerado pelo usuário, as que permitem conversas online e os mecanismos de busca que permitem acesso a conteúdo, incluindo sites de jogos e de pornografia. Influenciadores que aparecem em plataformas de mídia social e alguns tipos de publicidade online também estarão sujeitos à nova lei.
As empresas serão divididas em duas categorias, por tamanho e abrangência. As sanções mais duras seerão aplicadas às chamadas de “nível 1”, incluindo Facebook, Instagram, Google, WhatsApp, Twitter, TikTok e YouTube.
Em um artigo exclusivo para o The Telegraph publicado nesta sexta-feira (30/4), o vice-presidente do Facebook Steve Hatch defendeu os esforços da empresa para combater os abusos online, mas rejeitou os apelos contra o fim do anonimato nas redes sociais.
A lei de danos online deverá eleger o Ofcom como o órgão regulador das mídias sociais, da mesma forma que atualmente ele já regula a TV e o rádio. Essa opção por um órgão existente em vez de um a ser criado apressaria a entrada em vigor das novas medidas.
Se confirmada a indicação, o Ofcom poderá não apenas multar as empresas de mídias sociais, mas também tirar serviços do ar em casos de infrações mais graves.
A proposta também daria ao Ofcom poderes para proteger a liberdade de expressão e o pluralismo online, evitando que as empresas de mídia social removam arbitrariamente conteúdos polêmicos de políticos ou de comentaristas.
Atualmente, essas decisões estão restritas ao âmbito interno das próprias empresas ou a mecanismos de auto-regulamentação por elas criados, como no caso de conselhos de supervisão.
De acordo com a proposta da nova regulamentação, o Ofcom poderia inclusive intervir para anular decisões consideradas inconsistentes com os termos e condições das plataformas de mídias sociais.
Ainda com o objetivo de proteger a liberdade de expressão, o conteúdo jornalístico online não estará sujeito à nova lei.
Da mesma forma, também ficarão de fora as mensagens e comentários postados por leitores em sites e blogs de notícias.
Também não serão afetadas as avaliações e comentários sobre produtos fornecidos por empresas, e segmentos avaliados como de “baixo risco”, entre eles:
Serviços de e-mail, chamadas de voz e mensagens de texto SMS / MMS.
Serviços online geridos por instituições de ensino, uma vez que já estão sujeitos a regulamentação separada.
Serviços usados por organizações para negócios internos, como armazenamento corporativo e plataformas de colaboração de equipe.
Futebol entre os inspiradores da nova lei
A nova regulamentação foi planejada por Oliver Dowden, o secretário de Cultura, que conversou em fevereiro com jogadores de futebol, incluindo o capitão do Liverpool, Jordan Henderson, e Tyrone Mings, do Aston Villa, para discutir maneiras de combater o abuso online crescente. Na ocasião, o ministro disse:
“O abuso racista online de jogadores de futebol é absolutamente chocante e deve acabar. Antes dessa recente onda de casos, convoquei uma reunião para ouvir relatos sobre o abuso diário que os jogadores sofrem e o dano terrível que isso causa.”
Espera-se que as maiores multas sejam reservadas para conteúdo ilegal, como abuso infantil e terrorismo. Em caso de violações à nova lei, os chefes de tecnologia das empresas poderão ser responsabilizados criminalmente.
O texto de apresentação ressalta que adultos continuarão a ter direito de ver e postar “conteúdo que alguns possam considerar ofensivo e perturbador”, desde que não seja ilegal.
Mas as empresas poderão ser responsabilizadas sob a ótica do duty of care, ou “dever de cuidar”, um instituto jurídico que infere a responsabilidade do governo de proteger as pessoas contra perigos ou danos, mesmo nos casos de conteúdos legais.
A nova lei poderá ser aplicada a conteúdos que dêem origem a um risco razoavelmente previsível de impacto físico ou psicológico adverso significativo nos usuários. Isso inclui a desinformação, como fake news sobre vacinas e doenças, e os conteúdos para crianças envolvendo temas como violência, suicídio, pornografia, abuso sexual, terrorismo e bullying.
Ao noticiar a proposta em dezembro, o jornal The Times observou que, embora a maioria das redes sociais diga que seus serviços são destinados a pessoas acima de 13 anos e que as leis americanas e britânicas proíbam a coleta de dados delas sem consentimento dos pais, 60% de crianças até oito anos e 90% até 12 anos usam serviços de mensagens no Reino Unido.
Na defesa da nova lei, o governo de Boris Johnson diz buscar tornar o Reino Unido o “lugar mais seguro do mundo para se estar online, mas ao mesmo tempo defendendo a liberdade de expressão”. O Primeiro-Ministro se compromete a “tornar inaceitável online o que é inaceitável offline”.
O primeiro passo foi dado em dezembro, com a publicação do projeto de lei. Espera-se que ela seja aprovada no Parlamento até o fim de 2021, mas a campanha de boicote às redes sociais quer justamente adiantar esse prazo.
As chances de que a proposta não venha a ser aprovada são reduzidas. A administração de Boris Jonhson conta com maioria folgada na casa. E os parlamentares de oposição têm sido até mais rigorosos na cobrança de medidas para regular as mídias sociais.