Os participantes da audiência pública sobre projeto de lei (PL) 510/2021, que altera regras de regularização fundiária em terras da União se colocaram em polos opostos. O debate foi realizado em sistema remoto, nesta quinta-feira (29), no âmbito da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). A favor da regularização de ocupações em terras da União nos termos do projeto se colocaram os representantes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Já os representantes do Instituto Imazon e da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) se manifestaram contra o texto em debate.
A proposta, do senador Irajá (PSD-TO), altera regras de regularização fundiária da ocupação de terras da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e retoma pontos da Medida Provisória 910/2019, que perdeu a validade em maio de 2020. O PL 510/2021, que chegou a ser pautado na sessão de quarta-feira (28) e acabou sendo retirado da ordem do dia para aprofundar as discussões, altera a Lei 11.952, de 2009, e unifica a legislação de regularização fundiária para todo o país. A legislação hoje permite a regularização de terras ocupadas antes de 22 de julho de 2008. Pelo texto, o marco temporal passa a ser o de 10 de dezembro de 2019.
Segundo Irajá, a proposta corrige uma “injustiça histórica” com quase 300 mil famílias produtoras que esperam há décadas pela titularização da terra. Ele avalia que o marco regulatório vai desburocratizar o processo de emissão de títulos, possibilitar o acesso à programas e incentivos para produção e fortalecer o combate ao desmatamento.
— Uma vez reconhecida a titularidade dessa área, os nossos órgãos de controle como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), como o Ministério do Trabalho, como o próprio Incra poderão cumprir o seu papel de fiscalizador, o seu trabalho punitivo, quando for o caso, àqueles que não estiverem cumprindo a lei — disse o senador.
O vice-presidente da CNA, Muni Lourenço Silva Júnior, afirmou que a regularização fundiária uma política pública é essencial para o desenvolvimento econômico e social do país. Para ele, o texto contém avanços como a unificação da legislação sobre regularização fundiária para todo o país e não somente para a Amazônia Legal e a alteração do marco temporal para a comprovação da ocupação da terra.
— Outro ponto fundamental: alteração do marco temporal, com a possibilidade da comprovação do exercício de ocupação e de exploração, direta, mansa, pacífica e de boa-fé anteriores a 25 de maio de 2012, data de edição do Código Florestal, de modo realmente a prestigiar e a reconhecer a ocupação, a tempo relevante, daqueles que estão no campo para efeito de regularização fundiária — declarou.
O projeto também foi defendido pelo Secretário Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Luiz Antonio Nabhan Garcia. Ele disse possibilitará a modernização e desburocratização do processo regulatório, principalmente para àqueles que estão localizados na Amazônia Legal.
— São as áreas até 2,5 mil hectares e que estão, a maior parte delas, inseridas na Amazônia Legal, ou seja, nos nove estados da Amazônia Legal. São famílias que há 40, 50 anos foram para Rondônia, para o Acre, para Roraima, para o Pará, para o Mato Grosso, enfim, e até hoje não têm o título de sua propriedade — declarou.
Para Garcia, a medida ajudará a combater a grilagem de terra, as ilegalidades como extrações de madeira ilegal, desmatamento, garimpo e até o narcotráfico.
Já a pesquisadora Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), não é preciso mudar a lei para garantir o direito de famílias de pequenos agricultores. Para ela, a atual legislação já atende a demanda pela titularidade da terra e, com o projeto, há o risco de estimular mais desmatamento. Brenda informou que o projeto MapBiomas — plataforma on-line que mapeia uso da terra no Brasil — mostra que, nos últimos 35 anos, as áreas mais desmatadas são justamente as privadas, enquanto as áreas mais conservadas são as áreas públicas protegidas. A pesquisadora salientou que desmatamento que ocorre nas florestas públicas está acontecendo justamente para forçar a privatização dessas áreas.
— Isso é um ciclo histórico que se repete aqui na Amazônia, que já aconteceu em outras regiões do Brasil, mas que agora visivelmente ocorre na Amazônia. Começa justamente com a ocupação, com a invasão de uma terra pública; seguido de desmatamento para demonstrar o uso dessa área. Na sequência, esse imóvel é loteado, é inscrito em cadastros, como o Cadastro Ambiental Rural. Quem ocupou pede um título de terra para esse imóvel, muitas vezes acaba vendendo essa ocupação para terceiros que acabam comprando muitas vezes de boa-fé, sem saber de que se trata de uma área ilegalmente ocupada. Quando a lei não permite que essas áreas sejam regularizadas, o que a gente observa é uma pressão sobre o Congresso, justamente para mudar a lei — disse.
Ela ainda defendeu o reforço na capacidade institucional do Incra para agilizar os processos de titularização e criticou a dispensa de vistoria, prevista no PL 510/2021, nas propriedades de 2.500 hectares, que seriam passíveis de regularização em todo país. A proposta determina que seriam vistoriadas as propriedades, quanto a danos ambientais, somente após o esgotamento das vias administrativas.
Para o secretário de Política Agrária da Contag, Alair Luiz dos Santos, a legislação vigente já atende aos pequenos e médios produtores. Para ele, o que falta é decisão política e “vontade de se fazer” a regularização de terras. Ele defendeu a destinação de recursos financeiros, humanos e equipamentos para agilizar a entrega de títulos de terras no Brasil, aliado ao desenvolvimento de políticas públicas de incentivo a produção familiar.
— Nós precisamos saber que a agricultura familiar é aquela que até hoje, no Brasil, é desassistida — a assistência técnica não chega aos agricultores familiares; o crédito, quando chega, já chega atrasado; e outros benefícios, tratando-se de escoamento da produção, tratando-se de investimento na agricultura familiar — disse, pedindo que a matéria seja discutida nas demais comissões permanentes do Senado.
O relator da matéria, senador Carlos Fávaro (PSD-MT), disse querer ouvir todas as demandas para fazer um "parecer equilibrado" e que possa atender, de forma eficiente, a regularização de terras de pequenos e médios produtores aliada à preservação ambiental.
— Minha participação inicial é no sentido de estar aberto. Eu ontem fiz mais convites ainda de todos os que se manifestaram em redes sociais, até com críticas antecipadas. Nós não precisamos ter esse tipo de preconceito, nós temos que vir para dentro do debate. Estou completamente aberto como relator, como também o autor do projeto, senador Irajá, a quem quero agradecer a confiança, assim como do presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco, por me designar como relator desse projeto — afirmou.
O presidente da CRA, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), também defendeu um "diálogo transparente e equilibrado" para se chegar a um texto que proporcione "agilidade, segurança e modernidade ao processo regulatório".
— Tem que haver confiança, diálogo e muita transparência para que a gente possa avançar nessa questão de regularização fundiária — declarou.
Em razão do início da ordem do dia no Plenário, a audiência pública foi interrompida e será retomada na próxima segunda-feira (3).