Mas a ação dos checadores antes das eleições no Peru não é bem-vinda por todos. Um grupo de extrema-direita criou uma conta no Facebook no mesmo dia em que a Ama Llulla foi lançada.
Os invasores se apropriaram dos elementos gráficos da rede de verificação de fatos, apresentando-os ao lado da expressão Alt Right, usada por setores da extrema direita nos Estados Unidos.
Por meio da conta pirata foram espalhados conteúdos falsos e realizados ataques a candidatos de diferente partidos. Tudo foi desmentido pela Ama Llulla.
Uma das mensagens atribuiu uma declaração falsa ao presidente da República, Francisco Sagasti, extraída de uma suposta entrevista. A mensagem era carregada de adjetivos e linguagem inadequada, segundo divulgou a Ama Llulla no comunicado em que denunciou a ação.
O grupo que promoveu a página pirata chegou a anunciar o envolvimento do canal a cabo Willax Televisión e do site Manifiesto Perú. E dos apresentadores de televisão Phillip Butters e Kike Bravo, vinculados ao canal digital PBO. O Willax e Kike Bravo negaram participação, mas os outros não se manifestaram.
A Ama Llulla é financiada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Tudo é centralizado em uma redação virtual liderada pelo site de notícias Ojo Público. Fazem parte os meios IDL-Reporteros, Ideeleradio, Útero.pe, LaMula.pe, El Búho, Sudaca, Convoca e El Filtering, além de uma rede de emissoras de rádio em oito regiões das áreas andina e amazônica.
Segundo apurou Paola Nalvarte, a experiência de alianças contra a desinformação eleitoral – como o Verificado, no México, o Reverso, na Argentina, e o Comprobado, na Espanha – serviu de base para o formato da Ama Llulla.
Paola relatou que, além da campanha, a rede também programou treinamentos e oficinas virtuais de verificação. Para isso, a Ama Llulla aliou-se a universidades e centros educacionais com o objetivo de ensinar aos alunos uma metodologia de verificação que servirá como ferramenta para promover o pensamento crítico na sociedade, especialmente em relação ao discurso de autoridades e outros figuras públicas.
Outra ação foi o engajamento de jovens como voluntários para checagem de fake news, por meio de uma rede de apoiadores. Os jovens caçadores de notícias foram recrutados em universidades e em veículos de comunicação espalhados pelo país.
Uma das áreas de atenção é o conteúdo difundido nas redes sociais e de mensagens como o WhatsApp, um dos canais com maior fluxo de desinformação.
“As eleições são um contexto político transcendental para expor as mentiras e meias-verdades dos candidatos”, disse à LJR Milagros Salazar, diretora do Convoca, um dos veículos da rede. “O jornalismo pode ajudar a promover a prestação de contas na opinião pública e que os políticos assumam a responsabilidade pelo que dizem e prometem”, afirmou.
Denise Ledgard, da área de governança democrática do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no país, disse à LJR que considerou a criação da rede “essencial” antes das eleições no Peru, diante do que chama de “desconexão geral” entre os cidadãos, a elite política e os responsáveis por políticas públicas no país.
Ledgard disse que outro objetivo do PNUD ao estimular a rede é fechar lacunas na participação política de certos grupos que consideram vulneráveis, como mulheres, comunidades indígenas e jovens.
Campanha eleitoral eleva tensão entre candidatos e jornalistas
A situação do jornalismo antes das eleições no Peru vem sendo marcada por pressões de candidatos cuja conduta é questionada por matérias na imprensa. Em fevereiro, o Comitê para a Proteção de Jornalistas condenou uma ação criminal por difamação movida contra as jornalistas peruanas Graciela Tiburcio e Luciana Távara, do site de notícias Wayka, e pediu ao Peru que reformule suas leis para eliminar as penas criminais para a expressão.
O autor do processo foi Victor Hugo Quijada, um candidato ao Congresso peruano, que ficou inconformado com uma matéria publicada pelo site denunciando abusos sexuais a menores. Se condenadas, as jornalistas podem pegar até três anos de prisão, de acordo com o código penal do Peru. Quijada também pleiteia 550.000 soles (cerca de US$ 150.000) em perdas e danos, bem como o congelamento das contas bancárias das jornalistas.
O CPJ criticou um sistema jurídico que permite acompanhar processos contra profissionais de imprensa:
“A ação criminal de difamação que Victor Hugo Quijada moveu contra as jornalistas do Wayka Graciela Tiburcio e Luciana Távara por suas reportagens sobre alegações de assédio sexual visa claramente a silenciar e intimidar a imprensa. Sua natureza punitiva não tem lugar em uma democracia. É imperativo que o Peru elimine a difamação criminosa de sua legislação, alinhando-se aos crescentes padrões internacionais de liberdade de imprensa.”
A organização manifestou-se também sobre o processo movido por um dos candidatos a presidente contra o jornalista Christopher Acosta e contra a editora Penguin Random House. César Acunã Peralta apresentou uma queixa por violação de direitos de propriedade intelectual para impedir a venda do livro de Acosta, Dinheiro como um juízo: segredos, impunidade e a fortuna de César Acuña.
Acosta disse ao CPJ que publicou o livro em fevereiro e que contém alegações de que Acuña comprou votos, desviou fundos públicos e cometeu plágio. Em sua denúncia, apresentada ao Instituto Nacional de Defesa da Concorrência e Proteção da Propriedade Intelectual , Acuña afirma que inventou a frase “dinheiro como tribunal” e a estabeleceu como marca de serviço, e que, portanto, o livro representou uma violação do direitos de propriedade.
Natalie Southwick, coordenadora do Programa da América do Sul e Central do CPJ, disse:
“Os políticos, principalmente os candidatos a cargos públicos, são por natureza sujeitos a um maior escrutínio da sociedade e não devem usar o sistema judicial para impedir a crítica jornalística”.