No dia 23 de março, o cargueiro Ever Given, de 400 metros de comprimento, 59 metros de largura e 60 de altura, operado pela empresa Evergreen Marine de Taiwan, bloqueou o canal de Suez, após ventos fortes terem empurrado a embarcação diagonalmente na via navegável.
Na ocasião, mais de 300 embarcações ficaram em uma fila de espera em ambos os lados da hidrovia artificial, aguardando para entregar suas cargas da Europa à Ásia e vice-versa. O bloqueio do tráfego marítimo, que durou seis dias, gerou um custo total de aproximadamente US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões), segundo o almirante Osama Rabie, chefe da Autoridade do Canal de Suez.
O canal de Suez é uma importante via artificial navegável para o transporte global leste-oeste, construída no território egípcio, sendo a única maneira de passar do mar Mediterrâneo ao mar Vermelho e depois ao oceano Índico.
Atualmente, cerca de 12% do comércio mundial, aproximadamente um milhão de barris de petróleo e em torno de 8% do gás natural liquefeito fluem diariamente através da hidrovia.
Em 2015, o governo do presidente Abdel Fattah al-Sisi concluiu uma grande expansão do canal, inaugurado em 1869, permitindo-lhe acomodar os maiores navios do mundo.
O bloqueio do canal de Suez evidenciou a vulnerabilidade da rota usada para o transporte de mercadorias, fazendo com que o mercado logístico global voltasse sua atenção para rotas alternativas, sendo que uma delas é a Rota Marítima do Norte.
A Rota Marítima do Norte, que passa ao longo do litoral setentrional russo, conectando o Atlântico ao Pacífico, é um dos lugares mais inóspitos e inacessíveis do planeta localizado no Extremo Norte da Rússia e banhado pelo oceano Glacial Ártico, que banha aproximadamente 60% dos mais de 37,6 mil quilômetros do litoral russo. A região possui uma das maiores reservas de hidrocarbonetos do mundo.
A Rota Marítima do Norte conta com os portos de Murmansk, situado na parte europeia da Rússia, e Petropavlovsk no Extremo Oriente, na península de Kamchatka.
No final de 2020, 33 milhões de toneladas de petróleo, gás natural liquefeito e derivados de níquel foram transportados ao longo desta rota.
Os principais clientes desta rota seriam China, em primeiro lugar, e também Japão e Coreia do Sul, porque transportar mercadorias até os portos dos países do Sudeste Asiático já não seria rentável devido à longa distância a ser percorrida.
De acordo com a diplomacia russa, o episódio evidencia a necessidade de elevar os esforços na criação de uma rota marítima no Ártico, que conectaria a Europa à Ásia.
Nikolai Korchunov, responsável pela cooperação internacional no Ártico no Ministério das Relações Exteriores da Rússia, afirmou que o incidente no canal de Suez evidenciou a necessidade, acima de tudo, de um maior desenvolvimento da Rota Marítima do Norte.
Contudo, Aleksei Kalinin, diretor do Instituto de Pesquisa de Mercados Emergente da Escola de Administração de Moscou, em Skolkovo, a rota não substituiria o canal de Suez, mas seria sim uma alternativa para redirecionar rapidamente as mercadorias em casos como o do dia 23 de março.
"É preciso entender que nenhuma outra rota pode substituir completamente o canal de Suez", afirmou.
A rota marítima no Ártico russo é cada vez mais praticável, isso graças às mudanças climáticas.
A mudança climática, que resulta no degelo da região durante o verão, está tornando o projeto de uma nova possibilidade de atividades na região cada vez mais viável.
De acordo com o relatório da agência meteorológica russa Rosgidromet, a área de gelo na região é cinco a sete vezes menor, em comparação com a década de 1980.
Além disso, em 2020 a área de cobertura de gelo em setembro atingiu um recorde de redução, limitando-se a 26 mil quilômetros quadrados.
Em 2020, a Rússia registrou temperaturas anuais recorde, resultando no declínio histórico do gelo no período de verão na Rota Marítima do Norte.
O Ártico perde 43,8 mil quilômetros quadrados de gelo todos os anos, o que abre a possibilidade de uma nova rota marítima que poderia revolucionar os transportes globais e permitir o acesso a outros recursos naturais.
Desta forma, a mudança climática e o recuo do gelo nos verões boreais tornam o projeto mais realista, já que expande cada vez mais as rotas marítimas.
O navio russo de grande capacidade, Christophe de Margerie, pela primeira vez na história da navegação, percorreu a Rota Marítima do Norte partindo da península de Yamal em maio e concluindo a viagem na China em junho de 2020 em apenas três semanas. Habitualmente, o período de navegação no porto de Sabetta, no Extremo Norte da Rússia, começa no mês de julho.
A chegada do navio foi considerada um importante avanço para a Rússia, que demonstrou grande potencial para transportar cargas através dos mares do Ártico.
Atualmente, centenas de embarcações passam por esta rota a cada ano. Antes, a Rota Marítima do Norte era considerada inviável, sendo preciso muito tempo para percorrer, mesmo com a ajuda de quebra-gelos.
O impacto no ecossistema do Ártico significa a abertura de "duas novas grandes áreas", sendo elas a facilidade de acesso a recursos naturais e a abertura de novas rotas marítimas.
Contudo, especialistas acreditam que poderão decorrer décadas até que haja condições de navegabilidade regular na região, já que essas rotas necessitam contar com capacidade de busca e salvamento em caso de acidente, pilotagem prática marítima, capacidade de limitar eventuais derrames, ou seja, uma grande infraestrutura.
Apesar dos diversos pontos a serem considerados, a ideia de contar com a rota marítima no Ártico russo oferece um atrativo – a possibilidade de encurtar o tempo de travessia Ásia-Europa em transporte marítimo em 14 dias.
"A Rota Marítima do Norte tem um grande potencial de expandir o volume de transporte de cargas, o que reduziria significativamente o tempo de transporte de mercadorias da Ásia à Europa. Gás natural liquefeito e petróleo, entre outros bens", afirmou o Ministério da Energia da Rússia.
De acordo com o Ministério da Energia da Rússia, apesar da condição não ser muito favorável na região, em 2020 o tráfego ao longo da Rota Marítima do Norte superou os números planejados e somou quase 33 milhões de toneladas de carga.
Segundo o diretor-geral da Fundação de Desenvolvimento do Extremo Oriente e Região do Transbaikal, Aleksei Chekunkov, para garantir o desenvolvimento da Rota Marítima do Norte, tornando-a competitiva, o país já estaria desenvolvendo uma frota de quebra-gelos, em conexão com o alongamento do período de navegação.
Contudo, para vencer o grande desafio deste desenvolvimento, será preciso criar estruturas que sejam legalmente vinculativas e que inibam a corrida aos recursos ou a canais navegáveis que possam ser abertos, como já aconteceu no acordo de pescas em alto mar para o Ártico, que demonstra como países como os Estados Unidos, a Rússia, a China ou Estados europeus conseguem colaborar quando se trata de algo que é do interesse internacional.
Além disso, os oito países com assento no Conselho do Ártico (Estados Unidos, Canadá, Rússia, Dinamarca, Noruega, Suécia, Islândia e Finlândia) precisarão avaliar os impactos totais em um ecossistema tão sensível, monitorando o impacto da exploração de recursos.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, tem feito da exploração do Ártico uma prioridade estratégica, defendendo a criação de uma via marítima ao longo da costa norte para conectar a Europa à Ásia e competir com o Canal de Suez, que recebe cerca de 10% do fluxo marítimo global.
Em 2011, o governo russo anunciou que investiria 3,4 bilhões de euros (R$ 22,4 bilhões) nos próximos dez anos em todo o sistema de transporte russo para reformar os portos de Murmansk, situado na parte europeia da Rússia, e no Extremo Oriente os da península de Kamchatka, além de construir 10 centros de emergência com serviços de meteorologia e salvamento na região.
Após ter lançado a rota em 2011, a Rússia iniciou a construção de navios quebra-gelo e portos de abastecimento, centros de coordenação de operações de salvamento e bases militares na costa norte.
A rota mostra um sensível aumento no fluxo de navios nos meses de verão, contudo, há necessidade de melhorias na gestão e logística dos percursos para que haja um transporte mais seguro e eficiente no norte, englobando o acesso a observações sinóticas do tempo meteorológico, do gelo marinho e das condições oceânicas, um sistema eficaz de busca e salvamento e auxílio de navios quebra-gelo, tripulações em constante treinamento para operar na região polar, além da necessidade de um sistema de tráfego de embarcações e um sistema integrado de governança e regulamentação baseado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
De acordo com o decreto de Putin, até 2024 o tráfego de cargas na região deve aumentar para 80 milhões de toneladas até 2024.
De acordo com Sergei Valentei, professor de Economia na Universidade Plekhanov de Moscou, um dos segredos para o futuro da Rota Marítima do Norte é a demanda de gás liquefeito extraído pela Rússia na península de Yamal, que conta com as maiores reservas de gás do mundo.
Ruslan Tankayev, especialista na Câmara de Comércio e no Sindicato de Produtores de Hidrocarbonetos da Rússia, acredita que até 2050 "a rota será praticável o ano todo", reduzindo o percurso em milhares de quilômetros em relação à passagem pelo canal de Suez, além de ser mais segura contra atos de pirataria.