A Fox News está sendo processada devido a matérias associando duas empresas de tecnologia a fraudes eleitorais nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Somadas, as causas podem custar à emissora US$ 4,3 bilhões.
A teoria de conspiração se espalhou no mundo online, mas começou com figuras republicanas de renome utilizando-se do espaço concedido pela Fox e por outras redes de mídia conservadoras. O presidente Donald Trump sempre estimulou a tese de fraude.
Os processos de difamação são movidos por empresas envolvidas nos processos de apuração dos resultados.
A primeira a pedir indenização, em fevereiro, foi a Starmatic, responsável pelo software do condado de Los Angeles. E a segunda, na semana passada, foi a Dominion Voting Systems, que forneceu equipamentos para as eleições em 28 estados.
“As alegações eram uma mentira. E a Fox sabia disso”, diz a Starmatic.
“A Fox negligenciou a verdade porque as mentiras eram boas para os negócios”, acusa a Dominion.
Ambas as empresas alegam que nos meses que se seguiram à eleição presidencial de 2020, vários apresentadores da Fox News ajudaram a disseminar uma falsa narrativa sobre elas, apesar de os entrevistados pela emissora nunca terem apresentado evidências que comprovassem suas alegações.
Os processos citam que os argumentos foram refutados por tribunais dos Estados, por auditorias oficiais, por juízes indicados por Trump e por seu próprio procurador-geral, William Barr.
Com o Congresso americano debruçado em audiências com os gigantes das Big Tech na busca de uma nova regulamentação que combata a desinformação online, os processos movidos pela Dominion e pela Smartmatic contra a Fox vão testar a eficiência da legislação existente contra a desinformação promovida pelos meios tradicionais.
As duas empresas são totalmente independentes. Mas nas matérias veiculadas, os apoiadores de Trump insistiam que a Smartmatic seria a dona secreta da Dominion.
De acordo com as acusações, seus fundadores, que seriam ligados ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, teriam criado a empresa com o intuito de prestar serviços e fraudar os processos eleitorais norte-americanos. Para fazer isso, utilizariam uma tecnologia que permitiria mudar remotamente o resultado da contagem dos votos.
Entre os entrevistados que espalharam essas falsidades estavam o advogado de longa data do Trump, Rudy Giuliani, e a também advogada Sidney Powell, que trabalhou para a campanha.
Os fundadores da Smartmatic são de fato venezuelanos, mas negam qualquer vínculo com Chávez.
No processo aberto no estado de Nova York em janeiro, a empresa comprova não ter ligação com a Dominion e alega ter desempenhado um papel mínimo na eleição, fornecendo software apenas para o condado de Los Angeles.
Com a reputação manchada pelas acusações veiculadas, afirma que dois parceiros comerciais suspenderam seu relacionamento e que seus funcionários passaram a receber ameaças de morte.
Logo após a veiculação das primeiras matérias, a Smartimatic diz que foi “inundada” com e-mails e mensagens de voz, alguns alegando que “todos vocês serão caçados” ou que a única maneira de restaurar a integridade eleitoral seria “atirar nos executivos da empresa”.
A empresa diz que um agressor teria assediado o filho de 14 anos de um dos executivos e que, apesar do aumento da segurança, as ameaças “deixaram a equipe abalada e com medo”.
O processo acusa a Fox de ter deliberadamente tornado a Smartmatic a “vilã” de uma falsa história sobre votação fraudulenta, dando ampla cobertura a alegações falsas de figuras republicanas proeminentes que promoviam uma luta jurídica infrutífera para anular os resultados eleitorais.
“Da noite para o dia, a Smartmatic passou de uma empresa de tecnologia e software eleitoral pouco conhecida, com um histórico de sucesso, para a vilã na campanha de desinformação dos Réus”, diz a empresa no processo.
Além de uma indenização de US$ 2,7 bilhões, a Smartmatic pede a retirada e o esclarecimento de todas as declarações falsas. Adicionalmente, a empresa também está processando Giuliani e Powell, e o apresentador de TV Lou Dobbs.
A empresa argumenta que Dobbs (junto com Maria Bartiromo e Jeanine Pirro, também citadas no processo) nunca reconheceu que a Fox havia promovido falsas alegações. E diz que a Fox “evitou intencionalmente” especialistas que pudessem esclarecer as falsas alegações sobre a Smartmatic, mesmo depois que as acusações foram desmascaradas em outros lugares.
Sete semanas depois da denúncia da Smartmatic, foi a vez da Dominion entrar com outro processo de difamação, desta vez no tribunal estadual de Delaware. A empresa é um dos maiores fabricantes de equipamentos de votação dos Estados Unidos. Ela acusa a Fox de ter “endossado, repetido e divulgado uma série de mentiras comprovadamente falsas, mas devastadoras”.
Pelos danos sofridos, pede uma indenização de US$ 1,6 bilhão, além das despesas gastas com o caso, principalmente com segurança adicional.
Assim como a Smartmatic, a Dominion diz que as falsas alegações prejudicaram sua reputação e incitaram o assédio contra seus funcionários, ao mesmo tempo em que aumentaram a audiência da Fox.
“A Fox cedeu à narrativa infundada de que a Dominion fraudou a eleição porque valia a pena. Sua vítima, no entanto, não foi só a Dominion, mas a verdade”, aponta a denúncia.
A Dominion já tinha entrado em janeiro com processos contra Giuliani e Powell pela afirmação da dupla de que a empresahavia trabalhado com Hugo Chávez para criar máquinas que iriam “garantir que ele nunca perdesse uma eleição”. Em fevereiro, abriu outra queixa, desta vez contra o CEO da MyPillow, Mike Lindell, um ferrenho promotor de teorias de conspiração.
Em comunicado ao The New York Times, Powell chamou o processo movido contra ela de “outra manobra política motivada pela esquerda radical que não tem base em fatos ou leis”.
Em declaração ao The Verge, um porta-voz da emissora disse a respeito do processo da Dominion:
“A Fox News Media está empenhada em fornecer o contexto completo de cada matéria com reportagens detalhadas e opiniões claras. Estamos orgulhosos de nossa cobertura eleitoral de 2020, que segue a mais alta tradição do jornalismo americano, e nos defenderemos vigorosamente contra essa ação judicial sem fundamento”.
Esse porta-voz também se referiu ao processo movido pela Smartmatic, que disse “atingir o cerne da Primeira Emenda”.
Powell respondeu ao processo movido pela Dominion contra ela no início desta semana, argumentando que suas declarações não podiam ser consideradas difamatórias porque “nenhuma pessoa razoável” concluiria que eram factuais.
No início da semana passada, em audiência do processo da Dominion contra Powell, seus advogados se manifestaram sobre suas afirmações de que “os democratas estavam tentando roubar a eleição e desenvolveram um sistema de computador para alterar votos eletronicamente”. Eles argumentaram que essas alegações eram claramente um exagero e deveriam ser consideradas como um discurso político protegido.
A estratégia da defesa da advogada deixa a Fox e seus apresentadores numa situação delicada:
“Nenhuma pessoa razoável concluiria que as alegações eram verdadeiras declarações de fato”, argumentaram os advogados.