Seu choque foi sentido em todo o mundo – sensores tão distantes quanto Tunísia e Alemanha captaram o estrondo profundo, e estações sísmicas a cerca de 500 quilômetros de distância registraram seu tremor. Agora, descobrimos que a explosão de Beirute causou o estremecimento das camadas mais altas da atmosfera, e os dados resultantes podem preparar esforços futuros para ficar de olho nos testes de armas conduzidos por estados párias.
Pesquisadores do Instituto Nacional de Tecnologia da Índia, Rourkela e da Universidade de Hokkaido no Japão mediram distúrbios elétricos na ionosfera, descobrindo que a explosão foi comparável ao impacto de muitas erupções vulcânicas.
“Descobrimos que a explosão gerou uma onda que viajou na ionosfera em direção ao sul a uma velocidade de cerca de 0,8 quilômetros por segundo”, disse Kosuke Heki, cientista da Terra e planetário da Universidade de Hokkaido.
Começando a cerca de 50 quilômetros acima, e estendendo-se no espaço a centenas de quilômetros de distância, a ionosfera é caracterizada por um grande número de elétrons em movimento livre que são arrancados de moléculas de gás pela radiação solar.
A equipe utilizou variações nas fases das transmissões de micro-ondas enviadas pelo Sistema Global de Navegação por Satélite (GNSS) no dia da explosão para calcular as mudanças nas distribuições dos elétrons, que por sua vez indicavam a presença de ondas acústicas pelos gases.
É um truque que os cientistas usam desde o advento dessas redes de satélites na década de 1990, medindo ondulações que percorrem as partes superiores de nossa atmosfera para observar assinaturas sutis de qualquer coisa, desde vulcões até testes nucleares ilegais.
Uma das primeiras incursões experimentais no uso de tecnologia de satélite de posicionamento global (GPS) para medir explosões de superfície ocorreu em meados da década de 1990, com cientistas tirando proveito de três explosões subterrâneas maciças em uma mina de carvão em Wyoming, EUA, para estudar como a ionosfera respondeu. No entanto, encontrar os sinais tênues da explosão de Beirute neste caso teve uma pequena dose de sorte. Com o evento ocorrendo no início da noite e próximo ao pôr do sol, irregularidades da ionosfera chamadas bolhas de plasma equatorial poderiam ter mascarado o sinal por completo.
Felizmente, não havia sinais dessas bolhas na época, dando aos cientistas uma imagem relativamente clara da onda da explosão percorrendo a atmosfera superior na velocidade do som.
Os pesquisadores compararam o impacto da explosão de Beirute na ionosfera com marcas semelhantes deixadas por uma série de erupções vulcânicas recentes no Japão, descobrindo que o sinal é mais ou menos comparável. Comparando com a erupção do Vulcão Asama no centro do Japão em 2004, a explosão em Beirute foi muito mais impactante.
Embora ligeiramente mais fraca do que as explosões de 1,5 quiloton estudadas décadas atrás na mina de Wyoming, o fato dessa explosão ter sido exposta na superfície da Terra deu a ela um caminho desimpedido em direção ao céu, com uma liberação de energia claramente evidente nos dados.
Construir um banco de dados de assinaturas acústicas que podem ser detectadas pelo GNSS está fornecendo aos cientistas e autoridades um meio de monitorar não apenas a dinâmica geológica do nosso mundo, mas também seus atritos políticos.
Agora sabemos que foram necessárias 2.700 toneladas de nitrato de amônio – um fertilizante também comumente usado como ingrediente para explosivos – para gerar o que foi calculado ser equivalente à detonação de 1,1 quilotons de TNT, colocando-o na estimativa de uma bomba nuclear de baixo rendimento.
A capacidade de Estados como o Irã e a Coreia do Norte de progredir em direção ao armamento nuclear ainda é uma preocupação para a paz global de longo prazo, portanto, ter uma série de maneiras inteligentes de manter os ouvidos atentos aos programas de teste seria excelente.
Para os cidadãos de Beirute, a devastação da explosão do porto de 2020 é apenas mais uma tragédia acumulada em cima da crise econômica e do flagelo da pandemia do coronavírus. Não é um evento que ninguém gostaria de ver repetido em outro lugar; aprender tudo o que pudermos sobre seu impacto pode garantir que não haverá outro do tipo.
Esta pesquisa foi publicada na Scientific Reports.