Governadores de cinco estados cobraram nesta quinta-feira (11) que o Ministério da Saúde volte a pagar por leitos de UTI usados no tratamento de pacientes com covid-19. Eles defenderam ainda a compra unificada de medicamentos e insumos pela União para evitar a alta de preços impostos por fornecedores. Os representantes de Amazonas, Bahia, Ceará, Piauí e Santa Catarina participaram de audiência pública remota promovida pela Comissão Temporária Covid-19 (CTCOVID19).
O governador do Ceará, Camilo Santana, informou que, dos 1.013 leitos de UTI exclusivos para covid no estado, apenas 56 são credenciados pelo Ministério da Saúde — o equivalente a 5,5% do total. Ele disse que já cobrou do ministro da saúde, Eduardo Pazuello, o pagamento pelos leitos instalados e defendeu a intermediação do Congresso Nacional para superar o impasse.
— O que está acontecendo? É a dificuldade de credenciamento. Eu tenho colocado isso com muita transparência para o ministro Pazuello. Estamos bancando esses leitos, mas tem um limite pelas condições econômicas dos estados e municípios. A minha sugestão é que o Senado e o Congresso ajudem a encontrar um mecanismo — disse.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) sugeriu que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, trate com o Poder Executivo sobre a possibilidade de renovação do auxílio financeiro pago no ano passado a estados, Distrito Federal e municípios. Dos R$ 63,19 bilhões autorizados em 2020 por meio de créditos extraordinários, foram liberados R$ 63,15 bilhões — o equivalente a 99,94% do total.
— O socorro a estados e municípios deu uma condição de atendimento razoável para instalação de hospitais de campanha e UTIs e para compra de equipamentos de proteção individual e insumos. Eu faria um apelo ao presidente Rodrigo Pacheco para observar a possibilidade de um novo projeto de socorro. Os estados não vão ter condição de tocar sozinhos com suas finanças esse trabalho de atendimento hospitalar, que é caríssimo — afirmou
Bahia, São Paulo e Maranhão entraram na Justiça para assegurar o credenciamento dos leitos para covid-19 no Ministério da Saúde. Para o governador baiano, Rui Costa, a gravidade das novas cepas do coronavírus exige uma resposta rápida da União.
— Nós abrimos 200 leitos na semana passada. Agora, estamos abrindo mais 200. As características dessa doença levam mais pessoas para a UTI. Só para dar um dado comparativo: no pico da doença no ano passado, tínhamos 30 mil casos ativos e chegamos a ter no máximo 800 pacientes na UTI. Agora, chegamos a 20 mil casos ativos e 1,4 mil pacientes na UTI. Ou seja: temos 10 mil casos ativos a menos e 600 pacientes a mais em UTI. Isso mostra a gravidade dessa nova variante e o quanto ela é mais agressiva — explicou.
O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés, também relaciona o “novo perfil” do coronavírus com a demanda por mais vagas em unidades de terapia intensiva. Embora o estado tenha criado mais de 400 leitos nos últimos 30 dias, há fila de espera por UTIs na capital e no interior.
— Estamos vivendo um momento novo. Há uma diferença muito clara entre o que estamos vivendo em 2021 e o que vivemos em 2020. O que está por vir é algo extremamente sério e grave. O apoio federal para a remuneração de leitos de UTI para o enfrentamento dessa crise é fundamental — disse.
O governador do Piauí, Wellington Dias, classificou como “um problema realmente grave” a falta de leitos de UTIs nos estados. Para ele, o Brasil já enfrenta a falência na rede de atendimento à população.
— Nós já estamos dentro de um colapso nacional na rede hospitalar. Não vamos para ele, já estamos. Tem neste instante uma fila gigante. Estou falando de milhares, algo como 30 mil, 40 mil pessoas em todas as filas hospitalares por vagas de UTI e leito clínico. Ou seja: gente morrendo sem respirador. O pulmão não funciona mais, e ele não consegue ter o equipamento para auxiliar — alertou.
Os governadores criticaram a decisão do governo federal de deixar a cargo de estados e municípios a compra de medicamentos e insumos necessários para o tratamento dos pacientes com covid-19. Para eles, a medida provocou a elevação de preços — já pressionados pela escassez da oferta e pelo aumento da demanda internacional.
Rui Costa classificou como “uma chantagem” a postura de laboratórios e fornecedores de equipamentos, medicamentos e insumos, que — segundo ele — fazem “um leilão” entre estados e municípios para elevar os preços. Costa ressaltou, no entanto, que a União também é responsável pelo aumento dos custos.
— Dada a situação grave de todo o país, os insumos começam a ficar escassos. Como a compra infelizmente tem sido descentralizada, isso leva à elevação dos preços. Nós temos 27 estados e 5 mil municípios disputando preços de medicamentos. O beabá de economia diz: aumentou a procura, aumenta o preço. Se houvesse uma compra centralizada pelo governo federal, isso conseguiria segurar os preços — afirmou.
Costa citou como exemplo a bomba de infusão, instrumento usado em UTIs para fazer a dosagem dos medicamentos. Antes da pandemia, o equipamento era cedido em comodato pelos fornecedoras. Agora, são oferecidos apenas para venda, a preços que o governador classifica como “extorsivos”.
— É preciso conter esse abuso dos fornecedores, que estão buscando ganhos super extras nesse momento de desespero de estados e municípios. Eles cobram o preço que bem entendem. Os preços estão subindo à estratosfera. É fundamental que o Ministério da Saúde busque centralizar a aquisição de insumos para evitar esse leilão e essa chantagem. O mercado, que é cruel, fica usando o desespero de governadores e prefeitos para elevar de forma exorbitante o preço dos insumos — disse.
Carlos Moisés deu outro exemplo concreto da distorção nos preços dos insumos. Ele abriu uma licitação para a compra de sete medicamentos usados na intubação de pacientes com covid-19. Após o estado divulgar quanto pagaria pelos produtos, os fornecedores apresentam proposta para vender apenas um item. Ainda assim, com quantidade limitada a 10% do que Santa Catarina demandava.
— Tem que ter uma aquisição centralizada. O Ministério da Saúde deve intervir nos fabricantes, especialmente para esses sete medicamentos utilizados no kit de intubação. Uma intervenção de fato do governo para não desabastecer qualquer estado — defendeu.
O relator da comissão temporária, senador Wellington Fagundes (PL-MT), demonstrou preocupação com o tema.
— Na questão dos insumos, há necessidade talvez de compras centralizadas. O tabelamento de preços é um caminho? O governo federal tem instrumentos maiores do que governadores e prefeitos. Por isso, acredito mais do que nunca na colocação dos governadores: tem que ser tomada uma direção nacional única — disse.
Os governadores comentaram ainda a possibilidade de colapso no fornecimento de oxigênio. O representante do Amazonas, Wilson Lima, lembrou que o estado foi o primeiro a atingir “um nível muito agudo de casos” e sofreu com a falta do produto. Em apenas 18 dias, o consumo de oxigênio mais que quintuplicou: saltou de 15 mil para 80 mil metros cúbicos por dia. Lima assegura que o Amazonas não corre mais risco de desabastecimento. Mas fez um alerta para o cenário que as outras regiões podem enfrentar nas próximas semanas.
— Baseado no que a gente passou aqui, há uma perspectiva muito ruim no país. Os próximos dez dias serão muito difíceis. O risco de desabastecimento de oxigênio e medicamentos utilizados para intubação é de fato real. A diferença que temos no Amazonas em relação aos outros estados é que a logística é bem mais fácil para Sul, Sudeste Centro-Oeste e Nordeste — ponderou.
Rui Costa assegura que na Bahia os hospitais estaduais e estabelecimentos equipados com UTIs não correm risco de desabastecimento. Mas admitiu que “municípios pequenos e mais distantes” podem enfrentar dificuldades no acesso a cilindros de oxigênio.
— Nos hospitais estaduais e nos hospitais que têm UTIs, esse risco não existe porque trabalhamos com grandes tanques, grandes reservatórios. Temos um pulmão de reserva em cada unidade hospitalar, o que garante o abastecimento. O mesmo não posso dizer dos municípios pequenos e mais distantes que não têm UTIs, mas que fazem uso dos cilindros para a manutenção e o transporte do paciente. Os prefeitos relatam que as empresas não estão conseguindo fazer a reposição dos cilindros — disse.
Outro problema que preocupa os governadores é a falta de profissionais especializados. Para Rui Costa, a falta de pessoal é “o maior gargalo para expandir a rede de assistência”.
— A formação de equipes — fechar plantão sete dias por semana, 24 horas por dia — tem sido o maior limitador para garantir a velocidade na abertura de leitos. Temos uma distribuição desproporcional no conjunto de médicos e especialistas no Brasil. As regiões Norte e Nordeste contam com uma proporção menor de médicos per capita do que o Sudeste e o Sul. De especialistas, uma proporção ainda menor. Esse até agora tem sido um limitador grande — disse o governador baiano.
Wilson Lima alertou para a elevação na remuneração desses profissionais durante a pandemia.
— Os recursos humanos são um problema que a gente começa a ter. Mão de obra especializada, principalmente médicos, intensivistas e enfermeiros. Há uma majoração nos preços e aí também naturalmente começa uma concorrência muito grande para que essa mão de obra possa ser disponibilizada — disse.
Wellington Dias, alerta para a proposta orçamentária de este ano (PLN 28/2020) que reduz em R$ 43 bilhões a verba prevista para a saúde em comparação com o ano passado. Ele lembra que, além dos pacientes com covid-19, o país precisa se preparar para atender “uma fila gigante de outras doenças e ainda os sequelados pós-covid”. Wilson Lima também demonstra preocupação com os pacientes já curados de covid-19.
— Tem pacientes sequelados que precisam de um atendimento continuado. Dos pacientes que tiveram sequela e iniciaram o tratamento de recuperação, 70% abandonam o tratamento e, daqui a alguns dias, voltam de forma agravada e acabam indo a óbito. Esse é um desafio que a gente ainda precisa superar, de convencimento desses pacientes continuarem o tratamento pós-covid — afirma.
Para o senador Omar Aziz (PSD-AM), a rede hospitalar do país não está preparada para o tratamento das sequelas deixadas pela covid-19.
— Essas sequelas são muitas vezes mentais, coronárias, renais. Quantas pessoas estão com problemas mentais por causa dessa doença? Quantas pessoas vão precisar de hemodiálise para o resto da vida? Nós não estamos preparados. Não tem um estado preparado para dar assistência a essas pessoas. Isso trará um problema muito grande para a saúde e para a gestão de governadores e prefeitos quando a covid-19 passar — afirmou.