Uma manifestação convocada pela oposição, que reuniu cerca de 10.000 pessoas numa praça central de Assunção para protestar contra o Governo de Mario Abdo Benítez, a corrupção e a falta de medicamentos e vacinas contra a covid-19, foi duramente reprimida pela polícia na noite desta sexta-feira. Os incidentes deixaram um morto por arma branca e pelo menos 20 feridos, entre civis e policiais, segundo o balanço das autoridades. Mais cedo, o ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, decidiu renunciar devido às pressões que sofria pelo manejo da política sanitária contra a pandemia.
Cerca de duas horas depois do início do protesto, os manifestantes foram dispersados pela tropa de choque da polícia, que usou gases lacrimogêneos e balas de borracha, resultando em uma batalha campal em pleno centro da capital paraguaia. Um grupo de aproximadamente 10 manifestantes encapuzados atirou pedras nos policiais nas imediações do Congresso – o mesmo edifício que foi parcialmente incendiado em outro protesto, em 31 de março de 2017 –, e estes reagiram. Uma mulher com seu bebê foi atingida por gás lacrimogêneo quando tentava entrar na sua casa. Os confrontos terminaram com uma cena insólita: a tropa de choque erguendo bandeiras brancas, num pedido de trégua, depois de ficar sem munição.
O arcebispo de Assunção, Edmundo Valenzuela, pediu aos dois lados que evitem novos confrontos. “[Faço] um apelo a toda a população que está neste momento convulsionada pela violência, um apelo aos meios de comunicação para que chamem à paz”, afirmou o prelado ao canal Telefuturo. O ministro de Interior, Arnaldo Giuzzio, disse à imprensa que a atuação da tropa de choque foi justificada. “A polícia reagiu e tentou evitar que [o protesto] se espalhasse, que a esta altura ele já está contido em alguns pontos”, afirmou. O Paraguai, um dos países com a melhor resposta à pandemia da covid-19 no primeiro semestre de 2020, agora atravessa uma crise no seu sistema hospitalar. Os mortos pelo vírus somam 3.278, e há 168.000 contagiados, mas até o momento o país recebeu apenas 4.000 vacinas, e não se sabe quando novos lotes chegarão.
As críticas ao Governo conservador do presidente Mario Abdo Benítez, filho do secretário privado do ditador Alfredo Stroessner (1954-1989), crescem à medida que vão acabando os medicamentos de um sistema de saúde precário, considerado pelo Banco Mundial como insuficiente e desigual. Paraguaios de classe alta costumam ser atendidos em clínicas particulares com preços equiparáveis aos dos Estados Unidos, enquanto o resto da população recorre a hospitais públicos onde, apesar dos esforços dos funcionários, a falta de recursos e de infraestrutura torna o atendimento muito deficiente.
Desde quarta-feira, médicos, enfermeiros, pacientes e seus familiares protestavam nas ruas de Assunção contra a falta de medicamentos. Os funcionários do principal centro na luta contra a covid-19 fizeram uma passeata em frente à sede do hospital, levando seu diretor a pedir demissão. Os médicos denunciavam que não há remédios nem para quimioterapias, nem sedativos para os intubados nas UTIs, e muito menos vacina contra o coronavírus. O Paraguai recebeu 4.000 doses até agora e continua esperando um milhão de ampolas adicionais procedentes da Rússia e 4,3 milhões da Organização Mundial da Saúde (OMS).