O Senado pode analisar um projeto de lei que proíbe o uso de “arquitetura hostil” em espaços livres de uso público. A técnica, também conhecida como “arquitetura defensiva”, é caracterizada pela instalação de equipamentos urbanos (como pinos metálicos pontudos e cilindros de concreto nas calçadas) que visam afastar pessoas, principalmente as que estão em situação de rua. De autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), a proposta (PL 488/2021) altera o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001).
A medida foi apresentada após grande polêmica em São Paulo, no início de fevereiro. O padre Júlio Lancellotti, conhecido por suas ações de acolhimento às pessoas em situação de rua, usou uma marreta para remover pedras instaladas pela prefeitura no chão de um viaduto. O protesto simbólico do religioso viralizou na internet e ganhou apoiadores pelo país.
Para Contarato, o episódio não foi apenas um fato isolado. Na justificativa do projeto, o senador afirma que muitas cidades brasileiras têm incentivado a arquitetura defensiva, em razão da especulação imobiliária de determinadas regiões. Outros exemplos desse tipo de arquitetura incluem bancos sem encosto, ondulados ou com divisórias, cercas eletrificadas e pedras ásperas e pontiagudas.
"A ideia que está por trás dessa 'lógica' neoliberal é a de que a remoção do público indesejado em determinada localidade resulta na valorização de seu entorno e, consequentemente, no aumento do valor de mercado dos empreendimentos que ali se localizam, gerando mais lucro a seus investidores”, explica.
De acordo com o senador, o desenvolvimento urbano está diretamente ligado à redução da marginalização. Para ele, qualquer ação em sentido contrário deve ser repudiada pelo Estado.
“A raiz do problema está na pobreza, na marginalização e na falta de moradia digna. Tirar pessoas vulneráveis do alcance da vista não resolve tais problemas. Pelo contrário, aprofunda ainda mais a desigualdade urbana", argumenta.
Contarato ressalta ainda que não defende a fixação de moradores de rua nesses espaços, mas acredita que a expulsão deles por meio da chamada arquitetura hostil não soluciona qualquer problema — ao contrário, agrava a desigualdade social.
“Não bastassem a invisibilidade e as mazelas sofridas pelas pessoas em situação de rua, que hoje totalizam cerca de 222 mil pessoas no Brasil, o Estado, sob pressão do capital financeiro, tenta removê-los até mesmo de um lugar em que se abrigam da chuva”, conclui.