Há um ano, no dia 26 de fevereiro, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de covid-19 no Brasil. Era de um homem de 61 anos, residente em São Paulo, com histórico de viagem para a Itália, até então o epicentro da pandemia na Europa. De lá para cá, o Brasil viu a contagem diária do número de casos e mortes se tornar uma rotina. Hoje, depois de ultrapassar 250 mil mortos na pandemia da covid-19, com mais de 10 milhões de casos e média móvel acima de mil mortes nos últimos 35 dias, a aposta para mudar o rumo da tragédia passa pela vacinação. E garantir a vacina em larga escala para os brasileiros é a principal preocupação dos senadores.
Agilizar a compra de vacinas parece ser um consenso entre os parlamentares. Senadores de diferentes partidos reforçam que só com a imunização será possível avançar na superação da crise econômica que persiste no Brasil desde antes da pandemia e abrir caminho para outras pautas importantes.
— O governo federal demorou demais e agora entrou na fila em uma posição muito inferior. Hoje a palavra de ordem é vacina. Temos urgências como a reforma administrativa e outras mudanças importantes como a prisão em segunda instância, mas como fazer isso se essa pandemia está nos aturdindo o tempo todo? — apontou Lasier Martins (Podemos-RS) à Agência Senado.
Assim que assumiu a presidência da Casa no início de fevereiro, Rodrigo Pacheco colocou o aumento da escala da vacinação no alto da lista de prioridades para o ano. Além de articular a compra de imunizantes das farmacêuticas Pfizer e Janssen pelo Brasil, o presidente da Casa apresentou um projeto de lei (PL 534/2021) que facilita a compra de vacinas contra o coronavírus por empresas privadas. Aprovado já nessa quarta-feira (24), o texto inclui a responsabilização da União por eventuais efeitos negativos dos imunizantes, uma da exigências das empresas nos contratos mundo afora. Também permite que estados, Distrito Federal e municípios assumam a responsabilidade civil por eventuais efeitos adversos. As regras, se confirmadas pela Câmara e sancionadas pelo presidente da República, terão validade apenas durante a pandemia.
— É a participação do Congresso Nacional, do Senado e da Câmara dos Deputados, como um agente solucionador do problema, para poder dar garantia jurídica a essa relação imposta por essas cláusulas restritivas. Mas eu quero crer que esse projeto de lei é um projeto inteligente para podermos ganhar escala de vacinação no Brasil e ajudarmos o governo federal, dentro daquele compromisso estabelecido pelo Ministro da Saúde, de vacinar metade da população brasileira até o meio do ano e a outra metade, a integralidade da população brasileira, até o final do ano de 2021. Acho até que nós podemos, com iniciativas desse tipo, antecipar esse cronograma, para que tenhamos uma vacinação mais ampla no Brasil — disse Rodrigo Pacheco durante sessão plenária do dia 23, quando explicou a iniciativa aos senadores.
O encontro com os laboratórios organizado por Pacheco contou com a participação dos senadores Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição, o que demonstra que a vacinação está acima de diferenças políticas. Durante a votação da proposta, Randolfe, que relatou o projeto, destacou o caráter excepcional da medida.
— Eu tenho convicção de que não existe tema mais importante no planeta, neste instante, do que esse. O arsenal contra o vírus é a vacina. Nós só temos duas balas no arsenal no dia de hoje. Se não ampliarmos imediatamente esse arsenal, a expectativa é de que, nos próximos meses, outros 70 mil compatriotas percam a vida — afirmou.
Na véspera da aprovação do projeto, o Brasil chegou à marca dos 6 milhões de vacinados contra a covid-19, menos que 3% da população. Apesar de ocupar o 7º lugar no ranking de vacinas contra a covid-19 aplicadas no mundo, o Brasil aparece apenas na 46ª posição no ranking proporcional, que considera o número de doses aplicadas a cada 100 habitantes. Israel é o país que mais vacinou, com 78 doses a cada 100 habitantes. Entre os vizinhos da América do Sul, o Chile está no topo da lista com 15 doses aplicadas por 100 habitantes.
Na última semana, a velocidade de vacinação foi substancialmente reduzida no Brasil devido à escassez de doses. O senador Cid Gomes (PDT-CE) atribui o atraso na vacinação à falta de competência do governo e à negação da ciência.
— O Congresso Nacional foi fundamental para amenizar, atenuar um pouco o mal que essa doença tem trazido. Agora, o Brasil, o Ministério da Saúde, governo federal deixaram muito a desejar. Primeiro pela negação. Segundo pela incompetência e inoperância. O Brasil teve no ano passado algo em trono de R$ 750 bilhões em deficit, com as maquiagens, pedaladas. Sem as pedaladas, isso deve chegar perto de R$ 1 trilhão. Se o governo tivesse investido um centésimo disso, o Brasil teria sua própria vacina. Hoje precisamos mendigar vacina — criticou o senador em entrevista à Agência Senado.
Logo na semana seguinte ao retorno dos trabalhos legislativos, o Senado ouviu o ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, sobre o plano de vacinação. Na ocasião, o líder do governo na Casa, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou que não houve omissão do Palácio do Planalto no enfrentamento da pandemia.
— Para se ter uma ideia, 39 bilhões [de reais] foram investidos pelo Ministério da Saúde na distribuição de 345 milhões de equipamentos de proteção individual, 22 milhões de testes e 14 mil ventiladores, além de habilitação de 19 mil leitos hospitalares e recursos para a contratação de pessoal. Assim, com o apoio inequívoco do Congresso Nacional, o país pôde contar com medidas excepcionais de proteção à vida, ao emprego e à renda dos mais vulneráveis, às empresas e às finanças dos estados e municípios, o que permitiu que a população pudesse permanecer em casa nos momentos mais críticos — disse Bezerra.
Além da vacinação, outro desafio que se impõe ao Senado um ano depois da confirmação do primeiro caso no país é a aprovação de um novo ciclo do auxílio emergencial. O tempo, duração e a fonte de receitas mais adequada para bancar o novo benefício variam na visão dos senadores, mas a necessidade de resguardar a parcela mais pobre da população é uma questão que congrega os parlamentares. O benefício pago até dezembro (num total de nove parcelas: cinco de R$ 600 e quatro de R$ 300) ajudou, segundo a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), a garantir condições de sobrevivência para os mais miseráveis, pessoas que foram duramente afetadas pela pandemia com a paralisação de atividades produtivas em 2020 e com a consequente redução de oportunidades de trabalho. O governo tem falado em R$ 250 reais para a nova rodada do auxílio, valor considerado baixo por Zenaide. Ela também falou com a reportagem da Agência Senado.
— O governo tem sim de onde botar. R$ 250 é muito pouco. O governo nunca tem recurso para salvar o povo, mas tem para renúncias fiscais. Tem que revogar a Emenda Constitucional 95 [teto de gastos] e taxar lucros e dividendos — sugeriu Zenaide, que defende um auxílio de R$ 600 enquanto perdurar a pandemia.
A opinião converge com a do senador Rogério Carvalho (PT-SE), que também criticou a contrapartida exigida pelo governo para prorrogar o auxílio: a desvinculação de receitas previstas na Lei Orçamentária para saúde e educação por meio da PEC Emergencial (PEC 186/2019).
— A PEC Emergencial mexe com conquistas históricas da sociedade brasileira que é a vinculação de receitas para saúde e educação. Temos R$ 1 trilhão no Tesouro que poderia ser usado para garantir o auxílio emergencial e mais recursos para a saúde e educação e alguma iniciativa de infraestrutura. Recurso tem. Tem que mudar a regra de tomar dinheiro para fazer política monetária com emissão de títulos de dívida pública — apontou o senador à Agência Senado.
Segundo Otto Alencar (PSD-BA), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o papel do Congresso foi fundamental no combate aos efeitos da pandemia. O senador destacou a aprovação de medidas como o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e o auxílio financeiro para estados e municípios (PLP 39/2020). E aponta que deputados e senadores seguirão agindo para garantir vacinação e auxílio emergencial para os mais pobres.
— Nós aprovamos todas as matérias de importância para estados e municípios terem os recursos para enfrentamento da pandemia, o Pronampe hoje em vigor foi super relevante para as micros e pequenas empresas terem fôlego e liquidez para manter empregos. A pandemia teve efeitos muito lesivos na economia. E não haverá recuperação da economia sem a imunização — avaliou o senador em entrevista à Agência Senado.
Como apontou Otto Alencar, ao longo dos 12 meses desde o primeiro caso confirmado, o foco do Senado recaiu sobre medidas que pudessem amenizar as consequências da pandemia. Além dos já citados auxílio emergencial (PL 1.066/2020) e o Pronampe (PL 1.282/2020), o Legislativo votou uma série de projetos, entre eles, a PEC do Orçamento de Guerra (10/2020), separando os gastos com a pandemia do Orçamento da União, e uma série de medidas provisórias, principal ferramenta adotada pelo Poder Executivo para o enfrentamento do coronavírus. Em um ano, mais de cem MPs chegaram ao Congresso, um recorde. A média nos últimos 12 anos — sem contar 2020 — foi de 42 MPs por exercício.
E grande parte delas guardam alguma relação com a covid-19, como a MP 994/2020, que abriu crédito extraordinário para produção e disponibilização da vacina de Oxford contra o coronavírus. A tendência que se viu em 2020 prossegue em 2021. Logo no início dos trabalhos legislativos em fevereiro, o Senado aprovou a MP 1.003/2020, que autoriza o acesso do Brasil ao consórcio global contra covid-19 Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS), e facilita compra da vacina russa Sputnik V.
Mesmo antes do primeiro caso confirmado em 26 de fevereiro de 2020, o Senado já havia se mobilizado para tentar desacelerar a chegada do novo coronavírus, reconhecido como calamidade pública no Brasil em março pelo Decreto Legislativo 6/2020. A primeira intervenção importante dos senadores foi logo em fevereiro, quando a crise sanitária já havia atingido a região de Wuhan, na parte central da China. Eles demonstraram apoio ao governo na missão de resgate dos brasileiros retidos em solo chinês. No dia 5 daquele mês, dois aviões VC-2, com capacidade para 30 passageiros cada um, decolaram de Brasília para buscá-los.
No mesmo dia, os senadores aprovaram a primeira proposta legislativa sobre o tema: um projeto para regulamentar as medidas que seriam adotadas pelas autoridades sanitárias em caso de emergência de saúde pública (PL 23/2020). Enviada pelo Executivo em regime de urgência, a proposição fora aprovada pela Câmara dos Deputados no dia anterior e, logo que o Senado aprovou, foi imediatamente à sanção presidencial. Havia previsão de isolamento, quarentena e fechamento de portos e aeroportos pelo país.
Com o avanço de casos no mundo e também no Brasil, o Senado se adaptou internamente aos novos tempos: sessões remotas substituíram as presenciais e o acesso às dependências da Casa passou a ser restrito. Na sequência, as comissões suspenderam as atividades e gabinetes de senadores foram fechados.
Primeiro caso confirmado entre senadores, Nelsinho Trad (PSD-MS) foi diagnosticado com covid-19 no início de março. Desde então, outros senadores contraíram a doença e duas mortes foram registradas: Arolde de Oliveira (PSD-RJ), os 83 anos, e José Maranhão (MDB-PB), de 87 anos. Os dois, portanto, integram a lista de mais de 250 mil brasileiros que não sobrevieram à pandemia.
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