A urgência do Congresso Nacional aprovar as oito propostas emergenciais apresentadas pelo movimento ‘Tributar Super-Ricos’ para gerar recursos para salvar vidas nesse grave momento sanitário e econômico foi o tema de debate nesta sexta-feira (22/01). Com a condução do cartunista Renato Aroeira e participação de Rosilene Corrêa, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), e Paulo Gil, do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e Auditores pela Democracia, a discussão veiculada pela TV 247 aprofundou os argumentos de “Por que e como tributar os super-ricos”.
“Os mais afetados pelos impostos são os pobres, que não discutem tributos. O campo democrático popular precisa incidir sobre esse assunto”, alerta Paulo Gil. Auditor fiscal, integra o IJF, uma das 70 organizações que articularam a campanha lançada em meio a pandemia, período em que os super-ricos aumentaram suas fortunas e a miséria se aprofundou.
Considerado paraíso fiscal para os super-ricos e hostil para trabalhadores e pequenas empresas, o Brasil tem a segunda maior concentração de renda do mundo – 1% acumulam 29% da riqueza nacional. Os impostos sobre o consumo são pagos essencialmente pelos mais pobres, representam mais de 50% de toda a arrecadação enquanto os que têm altas renda e patrimônio são subtributados ou isentos.
A proposta central da campanha é o fim da isenção sobre lucros e dividendos distribuídos e da dedução de juros sobre o capital próprio, combinados com a reestruturação da tabela do Imposto de Renda sobre a Pessoa Física (IRPF), elevando alíquotas para altas rendas e aumentando limite de isenção, desonerando 11 milhões de pessoas.
“O Brasil é um dos únicos países do mundo que não tributa lucros e dividendos. É uma fratura exposta que precisa ser corrigida”, destacou Gil. As medidas também defendem a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), elevação do imposto sobre heranças e doações para até 30%, revisão de incentivos e isenções. O cálculo é que tributando apenas 0,3% mais ricos serão arrecadados R$ 300 bilhões ao ano, valor equivalente a todo o recurso destinado à renda emergencial em 2020.
Niara: busca por cidadania fiscal
Aroeira observou que nos últimos 10 anos houve uma campanha acentuada pela mídia, forjando a conexão entre impostos e corrupção. “Foi isso que ficou na cabeça. Temos que conectar impostos com bem-estar social”, desafia o criador de Niara, uma personagem em quadrinhos, mascote da campanha, que tem o desafio de apresentar as distorções do sistema tributário de forma simples. “Da pracinha ao SUS, tudo vem dos impostos que pagamos”, explicou Niara em uma das tirinhas recentes. O seu criador sabe que desenvolver cidadania fiscal é um trabalho longo.
“A desigualdade assusta tanto que até os bilionários do mundo estão pedindo para serem tributados”, lembrou o cartunista, falando da carta aberta “Cobrem mais impostos de nós!”, lançada por endinheirados do mundo assustados com a miséria crescente. Na América Latina, de cada 100 pessoas, 77 estão em vulnerabilidade. A região regrediu 15 anos no combate a pobreza durante a pandemia.
“O Parlamento é movido por interesses de igrejas, latifúndios e empresários. É preciso mudar a composição para fazer justiça social”, aponta Rosilene Corrêa . Educadora, ela encoraja os professores a utilizarem a personagem Niara para introduzirem esse assunto fundamental para explicar a injusta estrutura dos tributos sedimentada no Brasil. O IGF, por exemplo, consta na Constituição de 1988, mas nunca saiu do papel, necessitando de regulamentação.
“Oferecemos os projetos prontos ao Congresso e a situação é dramática. Os parlamentares têm a responsabilidade urgente e de destinar recursos para políticas sociais”, resume Rosilene. O Congresso é responsável por aprovar o congelamento por 20 anos dos investimentos sociais, votado em 2017. “Precisamos eliminar a ideia de que alguns nascem pobres e outros ricos. É preciso garantir justiça fiscal”, conclui.
“O que esse cenário nos mostra é que a desigualdade é intolerável. Não há país desenvolvido com Estado mínimo”, enfatiza o também integrante do movimento Auditores pela Democracia. Paulo Gil declara sua esperança e otimismo em promover mudanças frente a extinção do auxílio emergencial, 14 milhões de desempregados e 40 milhões em extrema pobreza. “Decidimos priorizar a discussão por meio do movimento social organizado e popularizar essa questão. Não é um debate técnico, mas político e ideológico. Passa pela defesa e aperfeiçoamento do Estado com controle social de áreas fundamentais. A tributação é uma delas”, defende.
O auditor fiscal destrói o argumento de que o Brasil tem carga tributária excessiva. “Somos um dos países com a menor tributação entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)", registra Paulo Gil.
Com mais de 210 mil mortes pela Covid-19, sem um plano de imunização e dados mostrando que o governo deliberadamente buscou a expansão do vírus a conclusão do debate é que nunca ficou tão evidente a importância do Estado forte. “Quem está sendo massacrado são os pobres. Não os ricos”, conclui Aroeira.