O Paraná tem apostado em soluções tecnológicas que impactam diretamente a vida de pessoas com deficiência. Pesquisas do programa Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação (NAPI), do Governo do Estado, vêm se destacando nacionalmente com o desenvolvimento de próteses inteligentes e dispositivos de inclusão sensorial, como um braço para o menino José Bonini, de 1 ano e 7 meses, que nasceu sem os quatro membros do corpo.
Em três anos de existência, foram 32 tecnologias entregues à sociedade, algumas já utilizadas por prefeituras e hospitais. Criado pela Fundação Araucária, órgão de fomento à pesquisa do Estado, o NAPI de Tecnologia Assistiva conta com orçamento de R$ 4,9 milhões para 2023 a 2026, promovendo a colaboração entre instituições de ciência e inovação do Paraná, com 235 bolsas de pesquisa em andamento.
Ao todo, só no ano de 2025, a Fundação Araucária investiu mais de R$ 48 milhões em todos os 47 grupos de pesquisa. “O NAPI de Tecnologia Assistiva é um dos mais antigos e mais importantes que nós temos. Ele tem uma importância ímpar para a sociedade, que é procurar realmente alternativas para pessoas que necessitam de atenção especial em função de uma ou outra mazela causada seja por nascença ou mesmo por um acidente”, afirma Ramiro Wahraftig, presidente da Fundação Araucária.
A Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) é uma das instituições que recebe recursos do Governo do Paraná para financiamento de pesquisas de Tecnologia Assistiva. São pesquisadores com bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, que desenvolvem produtos específicos para cada caso particular.
Uma das situações em que foi feita uma tecnologia individualizada foi justamente a do pequeno José Bonini Becher, de apenas 1 ano e 7 meses, que nasceu sem braços e pernas por conta da focomelia, uma malformação congênita rara em que um ou mais membros são encurtados ou ausentes.
Há 1 ano, ele conta com o apoio do NAPI, que desenvolveu uma prótese para o braço esquerdo, e que o auxilia a se alimentar sozinho, brincar e desenhar. Com o desenvolvimento acima da expectativa, José conta com uma luta incansável dos pais que superam-se dia após dia.
“Financeiramente a gente não teria essa condição de poder hoje arcar com uma prótese para o José. A gente sabe que o valor mesmo vem do Estado, então se eles estão ali, estão acreditando naquelas pessoas, naqueles alunos, na criança com a deficiência, que ela também pode ir muito além, para a gente é incrível”, relatou Débora Bonini, sobre a prótese oferecida pelo NAPI. “Não tem outra palavra de gratidão mesmo que é o meu sentimento que eu tenho por esse projeto”.
A trajetória do José começou marcada por desafios ainda na gestação. Antes dele, Débora Bonini e Nicolas Becher, pais de José que moram em Curitiba, já haviam passado por uma perda dolorosa na primeira gravidez. Cinco meses depois, a notícia de uma nova gestação trouxe esperança, mas também outro choque. No exame morfológico de primeiro trimestre, os pais receberam o diagnóstico de que o bebê não teria os quatro membros do corpo.
“Foi um momento muito difícil. A gente estava esperando ver tudo lindo e perfeito na ecografia, mas quando o médico mostrou o corpinho, não apareciam os bracinhos nem as perninhas. Saímos da clínica sem saber nem como chegamos na casa dos meus pais”, relembra Débora, que conta como a gestação não foi um desafio apenas para a família, mas para a medicina.
Em cada ultrassom, era uma grande expectativa. Para medir o peso do bebê, é necessário fazer uma medição da cabeça, abdômen e fêmur. “José chegou mostrando para os médicos que eles iam precisar sair de dentro de uma bolha e procurar mais estudos. O José não tinha o fêmur. Então, para estimar o peso do bebê, o médico tentava tirar o fêmur para o computador fazer esse peso pela cabecinha e o abdômen, e o computador não fazia. E os médicos se desesperavam e falavam: e agora?”, conta Débora.
Após o nascimento, os desafios e aprendizados continuaram. A família não sabia quais terapias eram necessárias para o José. Foi por meio da internet, em contato com outras mães, que conseguiram orientações e conheceram a fisioterapia Bobath, que é uma abordagem terapêutica neuroevolutiva para o tratamento de pessoas com distúrbios neurológicos, como paralisia cerebral, que afetam o controle motor e postural.
A internet também teve papel decisivo. No início, Débora buscava informações sobre terapias e cuidados; hoje, compartilha a rotina com o filho em perfis que reúnem milhares de seguidores no Instagram e no TikTok. As postagens, que mostram desde consultas até momentos de lazer em família, inspiram outras mães e ajudam a reduzir preconceitos. “Não é fácil se expor, mas a gente decidiu mostrar que o José pode ir muito além, que ele tem uma diferença sim, mas que essa diferença o torna único”, afirma.
Foi justamente por meio dessas conexões que surgiu a oportunidade de José receber a prótese desenvolvida pelo NAPI em parceria com a UTFPR. A iniciativa começou de forma artesanal, com um modelo simples adaptado por uma terapeuta ocupacional. Depois, o projeto ganhou força no ambiente acadêmico, onde os pesquisadores criaram versões personalizadas em impressão 3D. Hoje, o menino utiliza ponteiras específicas para se alimentar, desenhar e brincar.
“A gente sabe que a tecnologia está cada vez avançando mais. Se a gente acreditar, se a gente colocar a nossa crença e acreditar no potencial desses estudantes. Sabemos que vai ser algo que vai só trazer benefício para as crianças e famílias”, resume Débora.
O processo de adaptação ainda está em andamento. A família acompanha cada evolução com cuidado e respeito ao tempo da criança. “Ele sente o peso, mas vai entendendo aos poucos o que pode fazer com a prótese. Já desenha, já consegue pegar brinquedos com o imã. E o mais importante é que, no futuro, ele vai ter a escolha: usar ou não usar, do jeito que se sentir mais à vontade”, explica a mãe.
Apesar das dificuldades, José surpreende os pais a cada dia com conquistas que antes pareciam distantes. Aprendeu a se locomover rolando, a manipular objetos como controle remoto e celular e, recentemente, passou a segurar a própria mamadeira. “A gente percebe que é um passinho de cada vez. Hoje ele já vai atrás do que quer, tenta sentar sozinho, se vira do jeitinho dele. E isso não tem preço”, diz Débora.
Para ela e Nicolas, a maior transformação veio de dentro de casa. “Nós três juntos descobrimos uma força que não sabíamos que tínhamos. O José mostrou para a gente que não precisa viver pensando tanto no amanhã. A gente vive um dia de cada vez”, completa.
REABILITAÇÃO– Em outro atendimento feito à sociedade, o processo de produção de próteses faciais no Centro Hospitalar de Reabilitação Ana Carolina Moura Xavier, em Curitiba, passou por uma transformação significativa com o apoio do NAPI de Tecnologia Assistiva. O local é vinculado ao Hospital do Trabalhador e faz os atendimentos de forma gratuita pelo SUS.
Antes, todo o trabalho era feito de forma manual, em um procedimento artesanal que envolvia moldes odontológicos, gesso e esculturas em cera ou plastilina. Os pacientes, que na maior parte moram no interior do estado do Paraná, precisavam ir até Curitiba e comparecer ao hospital pelo menos cinco vezes para concluir o tratamento.
Com a parceria entre hospital e NAPI, a tecnologia digital reduziu etapas e trouxe mais conforto. Hoje, a partir de uma tomografia, as imagens são enviadas à UTFPR, onde os modelos são projetados e impressos em 3D. “O paciente vem menos vezes ao hospital, porque já temos uma pré-escultura feita no computador. Isso nos dá ganho de tempo e permite atender mais pessoas”, explica a cirurgiã-dentista Roberta Zanicotti, que é quem faz o atendimento com próteses.
Além da agilidade, a tecnologia transformou a vida de pacientes que passaram por mutilações – em sua maioria causadas por câncer, responsável por cerca de 70% dos casos –, mas também por acidentes ou doenças congênitas. “A prótese marca o início da reabilitação. Não é apenas devolver uma parte do rosto, mas também permitir que o paciente volte a conviver com a família e a sociedade sem se esconder atrás de um curativo”, acrescenta Roberta.
Na universidade, a pesquisa resultou também em inovações como a moldeira ocular patenteada em 2025. A criação garante maior precisão e segurança no encaixe da prótese. “Antes, as moldeiras eram feitas artesanalmente. Agora, com a impressão 3D, temos mais precisão e reduzimos os ajustes posteriores, o que dá mais conforto para o paciente”, afirma a cirurgiã-dentista Laura Muniz, que liderou a criação da patente.
Entre 2020 e 2023, foram entregues 153 próteses pelo hospital, número que já ultrapassou 200 em 2024, quando foi feita a última medição pela dourtora Roberta. A maior demanda vem das próteses oculares, mas também são confeccionadas próteses faciais e intraorais – como no céu da boca, por exemplo. Cada uma delas, agora, com a contribuição da pesquisa e da inovação, chega mais rápido e com mais qualidade aos pacientes.
O cuidado com os pacientes que sofrem com mutilação após o tratamento de câncer ainda tem pouca visibilidade. O professor no curso de Engenharia Mecânica da UTFPR, José Foggiato, que está à frente do Nufer, espera que o quadro se inverta a partir de artigos publicados e dissertações.
“Que no Brasil todo a gente tenha essa possibilidade de que os pacientes se cuidem do câncer, mas não fiquem reclusos da sociedade em função dessa mutilação. Queremos que essa tecnologia possa ser expandida para outros centros de pesquisa no Brasil e que a gente consiga dar mais amplitude a esse atendimento”, planeja.
INCLUSÃO– Ainda que a maior demanda de produtos desenvolvidos pelos pesquisadores apoiados pela Fundação Araucária sejam próteses faciais, outras soluções inclusivas vêm sendo criadas dentro do NAPI de Tecnologia Assistiva.
O laboratório já produziu bibliotecas digitais de narizes e orelhas e até peças anatômicas para uso didático em universidades. “O objetivo é sempre aproximar a engenharia da área da saúde, em um casamento perfeito entre ciência e aplicação prática”, resume Laura Muniz.
A criatividade dos pesquisadores também se estende para outras áreas. O estudante de Engenharia Mecatrônica Jesus Lopez Oviedo desenvolveu um material didático em 3D para auxiliar pessoas cegas a aprender teoria musical, transformando partituras em peças palpáveis, que podem ser montadas e lidas pelo tato.
Já o estudante de Odontologia Henrique Barduco foi responsável por uma prótese de pé feita sob medida para um paciente que havia perdido parte do membro por complicações do diabetes. A partir de uma tomografia, ele e sua equipe criaram um molde digital que, depois de impresso e finalizado em silicone, devolveu mobilidade e conforto ao paciente.
Além das entregas, o NAPI organiza o Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva, que já chega à sua 5ª edição e, neste ano, será realizado em Curitiba, de 30 de setembro a 03 de outubro. O evento terá oficinas abertas à comunidade, exposições de trabalhos artísticos de pessoas com deficiência e apresentação de resultados dos grupos de pesquisa.