A Bolívia vai às urnas neste domingo (17) para eleger o novo presidente do país e renovar o Parlamento de 130 deputados e 36 senadores. Candidatos da direita seguem favoritos, e cerca de 23% dos votos indefinidos trazem incertezas quanto ao resultado final do pleito.
Ex-presidente da Bolívia em 2001 e 2002, Jorge “Tuto” Quiroga, considerado de uma direita mais radical, tem aparecido à frente nas pesquisas, seguido por Samuel Doria Medina, considerado de direita mais moderada. Com cerca de 12 milhões de pessoas, a nação andina faz fronteira com quatro estados brasileiros.
O racha no Movimento ao Socialismo (MAS) – partido que lidera o país desde 2006 – pode consolidar o fim do ciclo de governos de esquerda no país sul-americano que já dura 19 anos .
O ex-presidente Evo Morales, impedido de participar do pleito, vem pregando o voto nulo. Nesse cenário, os principais candidatos ligados à esquerda aparecem mais atrás nas pesquisas , ambos desgastados pela associação com o MAS – há quase 20 anos no poder em meio a uma persistente crise econômica.
Os candidatos da esquerda são Andrónico Rodríguez , atual presidente do Senado, e Eduardo del Castillo , ex-ministro do atual governo de Luis Arce, do MAS, que desistiu de se reeleger em meio à baixíssima aprovação do governo. Se não houver mudanças, os dois candidatos da direita é que devem ir ao segundo turno, marcado para o dia 19 de outubro.
Porém, o alto índice de votos indefinidos, entre nulos, brancos e indecisos, e dúvidas sobre voto rural, historicamente mais difícil de medir na Bolívia, adicionam elementos de incertezas sobre os resultados deste domingo.
A doutoranda em ciência política na Universidade de São Paulo (USP) Alina Ribeiro ponderou à Agência Brasil que as pesquisas na Bolívia costumam não ser muito precisas.
“Nas eleições de 2020, o apoio ao Luis Arce foi muito subnotificado. Eu acho que essa fração da população que está indecisa, ou que vai votar nulo ou branco, ela é primordial para os resultados da eleição”, avalia a pesquisadora do Núcleo de Democracia e Ação Coletiva do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (NDAC-Cebrap).
A pesquisa mais recente , publicada na sexta-feira (15) pela AtlasIntel , mostra que 23% da população indicou voto branco, nulo ou ainda não sabe em quem votará .
O candidato que aparece à frente nas pesquisas, Tuto Quiroga, foi ministro da Fazenda em 1992 e eleito vice-presidente da Bolívia em 1997. Em 2005, na primeira eleição que o MAS ganhou, ele ficou em segundo lugar, perdendo para Evo. O candidato tem sinalizado que, se vencer as eleições, vai romper relações com Venezuela, Cuba e Irã, mas admitiu que vai manter a Bolívia como membro parceiro do Brics , devido ao vínculo comercial com China e Índia.
Em entrevista à CNN, Tuto questionou a participação da Bolívia no Mercosul e propôs um acordo com Chile e Argentina para exploração do lítio, mineral fundamental para indústria da tecnologia. Estima-se que as maiores reservas do mineral estejam nesses três países latino-americanos.
O candidato usa linguagem semelhante ao presidente argentino, Javier Milei, ao citar que usará uma “motosserra” para cortar gastos públicos . O equipamento foi uma das marcas do presidente ultraliberal da Argentina durante a campanha.
“Motosserra, facão, tesoura e tudo o mais que você encontrar. É um desperdício e um roubo sem fim aqui. Hoje, o governo boliviano custa 11 vezes mais do que custava quando esses infelizes começaram, 20 anos atrás”, disse.
A pesquisadora Alina Ribeira acrescentou que Jorge "Tuto" Quiroga vem falando em fazer reformas econômicas, judiciais e constitucionais . “Prometeu ainda soltar o Luiz Fernando Camacho. Essa é uma posição muito simbólica pelo que ele representa. Tuto olha para o Camacho como um preso político”, disse.
Camacho foi governador da província de Santa Cruz, na Bolívia, e preso por participar dos motins de 2019 que levaram à renúncia do presidente Evo Morales , episódio considerado um golpe de Estado.
Em seguida, nas pesquisas, aparece Samuel Doria Medina , que tem se apresentado como um político mais moderado . Ele é um megaempresário boliviano da indústria do cimento, da hotelaria, alimentação e tem grandes propriedades imobiliárias.
Medina já se candidatou à Presidência duas vezes, ficando em segundo lugar em 2014. Ele promete estabilizar a economia da Bolívia em 100 dias de governo.
“O problema econômico da Bolívia é fundamentalmente fiscal. Este ano, o déficit fiscal é superior a 10%. Nenhuma economia pode sustentar um déficit dessa magnitude. O déficit deve ser corrigido. Praticamente metade desse déficit são os subsídios para gasolina e diesel. Na Bolívia, um litro de gasolina ou diesel custa 25 centavos”, disse em entrevista ao Infobae.
A esquerda boliviana rachou após a divisão da legenda entre os apoiadores do ex-presidente Evo Morales e do atual presidente Luis Arce . O candidato do atual presidente, o ex-ministro Eduardo del Castillo, que vinha amargando 2% das intenções de votos em pesquisa do jornal El Deber , chegou a pontuar 8,1% na última pesquisa da AtlasIntel.
A principal esperança da esquerda é o presidente do Senado e ex-sindicalista cocaleiro, Andrónico Rodríguez, que deixou o MAS para se lançar à Presidência do país e passou a ser tratado por Evo como “traidor”.
Andrónico também perdeu apoio de algumas organizações de base do MAS por manter na sua chapa, como vice, a ex-ministra de Planejamento Mariana Prado.
O líder cocaleiro indígena mostrou alguma recuperação na pesquisa da AtlasIntel, chegando a 11%. Em pesquisas anteriores, ele pontuaram 8% nas intenções de votos.
“São mudanças relevantes nas pesquisas, mas elas ainda não colocam a esquerda em pé de igualdade com a direita”, comentou Alina. Para a especialista em Bolívia, foi um erro o MAS não ter apoiado a candidatura de Andrónico.
“O Andrónico simboliza esse novo sujeito indígena e camponês. Ele simboliza esse grupo que liderou o processo do começo dos anos 2000 e levou o MAS ao poder. Quando o MAS apoia a candidatura do Eduardo del Castillo, que é um homem branco e mais distanciado dessa base eleitoral que compõe o MAS, o partido contribuiu para essa divisão interna dentro da esquerda”, comentou.
Para Alina Ribeiro, a briga entre Evo e Arce impediu que o MAS apoiasse Andrónico, que era muito ligado ao ex-presidente Evo . “Eles avaliaram que não seria interessante postular a candidatura do Andrónico porque ainda era uma figura muito associada ao histórico do Evo Morales”, concluiu.