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Demora judicial perpetua violência para famílias de mortos em chacinas

Lentidão gera impactos como adoecimento e empobrecimento de familiares

Redação
Por: Redação Fonte: Agência Brasil
13/08/2025 às 07h20
Demora judicial perpetua violência para famílias de mortos em chacinas
© Paulo Pinto/Agência Brasil

O assassinato de um ente querido é apenas uma das dores a que são submetidas as famílias das vítimas de chacinas. Além do luto, elas precisam também enfrentar a demora do Judiciário nos processos de indenização, de responsabilização e de criminalização e, muitas vezes, acabam também empobrecidas ou adoecidas.

Não foi diferente com as famílias da Chacina de Osasco, Itapevi e Barueri, episódio violento que provocou a morte de 19 pessoas e que completa dez anos nesta quarta-feira (13). Muitas dessas famílias sequer foram indenizadas após o crime, cometido por policiais militares. É o caso de Zilda Maria de Jesus, mãe de Fernando Luiz de Paula, que foi assassinado em um bar de Barueri , na Grande São Paulo.

Sem receber qualquer tipo de indenização, dona Zilda ainda enfrentou acusações dos advogados dos réus durante o julgamento do caso na esfera criminal. Essa situação também é enfrentada por diversas outras mães de vítimas de chacinas. “A gente não tem nem direito de guardar o luto”, disse ela à reportagem da Agência Brasil . “Eu já estou morta, filha”, completou, ao falar sobre a perda do filho e sobre o desgaste de todo o processo de luto e de busca por justiça .

“É importante ter essa dimensão dos múltiplos impactos e das diversas violências que essas famílias sofrem para além da violência maior que é a exclusão do familiar. Essas vítimas deixaram mães, deixaram pais, deixaram companheiros, deixaram filhos. E essas famílias sofreram fatos muito severos, de empobrecimento e de adoecimentos graves. Temos casos de adoecimentos muito graves relacionados a esse sofrimento”, observa Carla Osmo, professora do Departamento de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na área dos direitos humanos.

Carla também é coordenadora do projeto Clínica de Direitos Humanos da Unifesp , em Osasco (SP). A clínica é um projeto da Unifesp que atua em apoio à luta das mães das vítimas da Chacina de Osasco, Itapevi e Barueri e que desenvolve pesquisas e produz conhecimento sobre a violência de Estado. A iniciativa reúne não só saberes acadêmicos, mas também a experiência de pessoas que lutam contra essa violência. Dona Zilda, por exemplo, é uma das bolsistas da Unifesp.

Outro fator que contribui para esses impactos – e que afeta inclusive a saúde dos familiares das vítimas – é a demora nos processos judiciais. “A demora gera bastante frustração porque às vezes as pessoas ficam exaustas”, diz Carla Osmo. “Todo o processo é muito violento, muito desgastante, inclusive a demora [do Judiciário]. São vários sofrimentos que as famílias têm e um deles é a falta de algum tipo de resposta do Estado. E essa omissão do Estado também tem um significado de desvalorização do acontecimento e desvalorização da vida, deixando [essas famílias] um pouco à margem", completa.

Além disso, explicou ela, essas famílias ainda sofrem a estigmatização por terem algum membro da família morto por um policial. “Há o medo da polícia e o sentimento de que a vida não tem valor ou de que o Estado não dá nenhuma importância seja para a existência daquela pessoa que morreu seja para a vida dos familiares [daquela vítima]. São danos muito severos.”

Responsabilização

Para aliviar essa dor e também em busca de seus direitos, muitas dessas famílias acabam buscando na Justiça um reconhecimento sobre a responsabilidade do Estado por essas mortes .

“Não são apenas os agentes individuais que foram condenados que tiveram responsabilidade [sobre as mortes]. O Estado tem responsabilidade institucional pela chacina. E olhar para isso é muito importante porque nos ajuda a pensar que essas chacinas se inserem em um histórico de episódios de violência de Estado e mesmo de execuções coletivas no estado de São Paulo”, diz a professora da Unifesp.

Em geral, as famílias entram com processos individuais para buscar essa responsabilização seja por meio de advogados ou da Defensoria Pública. “Nós começamos a fazer um acompanhamento de um conjunto de processos [relacionados à Chacina de Osasco, Itapevi e de Barueri]. E hoje nós temos uma relação de 16 processos [tramitando em âmbito civil]. É possível que tenha outros. Mas, enfim, esse é o número que nós temos”, aponta.

Desse total de processos que pedem a responsabilização do Estado e indenização às famílias das vítimas, dez foram movidos por parentes das vítimas e um deles por um sobrevivente da chacina . Cinco processos tramitam em segredo de Justiça, por isso, não é possível saber mais detalhes sobre eles.

Entre os processos que não estão sob sigilo, apenas dois chegaram à fase de execução, mas sem que as indenizações tenham sido pagas até o momento . “Esses processos que pedem responsabilização do Estado são processos que continuam tramitando com uma morosidade imensa. Dentre esses 11 processos, a gente tem uma média de seis ou sete anos de duração sem que eles tivessem sido concluídos. Dois desses processos, um de 2018 e outro de 2020, sequer tiveram sentença ou uma decisão de primeira instância. Existem pesquisas que apontam que essa demora excessiva acontece durante a etapa da execução, depois de já ter uma sentença definitiva”, afirma Carla.

"Não temos base para afirmar que se trata de demora fora do padrão no Judiciário paulista, mas é uma demora que está em absoluto descompasso com a gravidade da violência e a dimensão dos danos provocados às famílias, especialmente tendo em vista que parte das mães das vítimas – e certamente as avós – são pessoas idosas e que diversas vítimas deixaram filhos crianças. Vale lembrar que a participação de policiais militares está demonstrada e nem é contestada", acrescenta a coordenadora.

O acompanhamento e estudo que vêm sendo feitos pela Clínica de Direitos Humanos da Unifesp em relação a esses processos também demonstra outra dificuldade enfrentada pelas famílias: o Estado sempre contesta as decisões, o que aumenta o tempo para que as famílias sejam ressarcidas.

"A advocacia do Estado contesta as demandas das famílias nos processos, trazendo uma excessiva exigência de provas para que se determine o pagamento de pensão, de emprego formal e de dependência econômica dos familiares em relação à vítima, bem como para que sejam ressarcidos os gastos que a família teve com o funeral. Por vezes levanta uma suspeita infundada de que a vítima poderia exercer uma atividade ilícita. Defende ainda uma presunção de que a vítima, caso tivesse continuado viva, teria sempre uma remuneração muito baixa pelo seu trabalho. E argumenta em favor da fixação de valor baixo para ressarcimento de danos morais para evitar um 'enriquecimento sem causa' das famílias, como se o sofrimento das famílias fosse menor apenas por elas serem pobres", afirma Carla Osmo.

Dez anos

Passados dez anos desses acontecimentos, Carla Osmo diz que a sensação, para as famílias, é de que a violência continua se perpetuando.

“Esse não responder é muito violento”, diz a professora. “Elas [mães da vítimas] insistem em dizer que o tempo não apazigua: é como se tivesse acontecido agora. A angústia da espera gera sofrimento, mas, ao mesmo tempo, a atualidade do sofrimento, que faz com que pareça que a violência da morte aconteceu agora”, acrescenta.

Embora a lembrança desse evento ainda seja dolorosa para as famílias, a coordenadora defende que é importante continuar a falar sobre a chacina para evitar que novas violências como essa continuem ocorrendo no país . “O apagamento tem relação com a continuidade e com a persistência da violência de Estado. O apagamento do que foi a violência de Estado nesses diversos episódios de execuções coletivas ou de massacres que aconteceram no estado de São Paul tem relação com a continuidade da violência”, diz.

Procurada pela Agência Brasil , a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que o inquérito policial instaurado pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) para investigar o caso foi concluído em dezembro do mesmo ano, “com a identificação e indiciamentos de oito pessoas – sete policiais militares e um GCM [guarda civil metropolitano]”. Segundo a secretaria, “todos os PMs envolvidos no caso foram expulsos da corporação”. A reportagem procurou também o governo paulista para comentar o episódio e as indenizações, mas não obteve retorno até o momento.

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