Os conflitos por terras no Brasil envolveram 904 mil pessoas no ano de 2024, divulgou nesta quarta-feira (23) a Comissão Pastoral da Terra, no relatório Conflitos no Campo Brasil referente ao ano passado. Em 2023, esses conflitos envolveram 792 mil pessoas, o que representa que mais de 100 mil pessoas a mais foram afetadas por esses confrontos no ano passado , quando resultaram em 13 assassinatos.
Esse número foi registrado apesar de ter havido uma queda no número de conflitos no campo em relação a 2023, ano que teve o maior patamar da série histórica do relatório em 29 anos, com 2.250 conflitos. Já em 2024, houve 2.185 ocorrências desse tipo.
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O documento mostra que a maior parte desses conflitos diz respeito a violências contra a ocupação e a posse da terra, o que inclui despejos e expulsões, ameaças de despejos e expulsões, destruição de casas, roças e pertences, pistolagem, grilagem, invasões e outras violências.
Segundo o levantamento da Comissão Pastoral da Terra, os fazendeiros são os principais agentes causadores da violência por terra. O relatório aponta o grupo como responsável por 44% das violências relacionada à terra, com 739 dos 2.185 registros. Os donos de fazendas também são apontados como os principais responsáveis pelos casos de incêndios (47%) e desmatamento ilegal (38%).
O relatório mostra ainda que grileiros, empresários e madeireiros completam a lista dos maiores causadores de conflitos e violências. Já entre os segmentos que mais sofrem violência, os povos indígenas representam 29% dos registros.
Também houve um aumento expressivo na quantidade de conflitos sofridos por posseiros, com 425 casos, e quilombolas, com 221, especialmente entre os povos e comunidades tradicionais do Maranhão, onde foram registrados 22 casos.
Segundo o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Ricardo Hoepers, o trabalho da CPT mostra a preocupação da pastoral em dar visibilidade para as “periferias existenciais e geográficas”, conforme pregava o Papa Francisco.
“Um relatório anual sobre os conflitos no campo é exatamente um esforço contínuo da CPT para não deixar ninguém invisibilizado, ninguém anônimo, para mostrar nomes, contar biografias, para mostrar que temos os mesmos direitos. Tenho certeza que o Papa Francisco tem orgulho do trabalho realizado”, disse o religioso durante o lançamento do relatório.
O documento chama atenção para a ação de um grupo ruralista autodenominado “Movimento Invasão Zero”, composto por grandes fazendeiros e proprietários de terras e que conta com apoio de parlamentares ligados ao agronegócio. O grupo é conhecido por suas ações violentas contra famílias em situação de acampamento, ocupações e retomada de territórios, contando com o apoio de milícias, agentes de segurança privada e forças policiais.
Um dos casos apontados com envolvimento do grupo é o assassinato de Maria Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó , em 21 de janeiro. O crime foi cometido por um fazendeiro ligado ao Movimento Invasão Zero, com apoio da polícia, em uma ação articulada contra a retomada indígena Pataxó Hã Hã Hãe.
“O caso da Nega Pataxó é emblemático e, como fato, dita os rumos de 2024, uma vez que foi o primeiro assassinato do ano e pela ação do Invasão zero, que tem destaque como um dos principais agentes promotores da violência no campo em 2024”, diz o documento.
Além das atuações diretas em conflitos no campo, o grupo também exerce influência nas casas legislativas brasileiras, promovendo propostas de lei que buscam, sobretudo, a criminalização das ocupações de terras e das retomadas de posse por comunidades tradicionais e movimentos sociais.
Nos estados de Goiás, Maranhão, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Pará e Pernambuco, ocorreram ações assumidas e/ou comprovadas enquanto ataques violentos por parte do grupo Invasão Zero. Já em outros estados, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará e Santa Catarina, também ocorreram ataques coordenados de grupos de fazendeiros, onde há suspeitas de que tenham sido articulados pelo Invasão Zero.
Na avaliação do presidente da CPT, Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, o apoio e a ligação de parlamentares com esse tipo de movimento coloca o legislativo federal e as assembleias legislativas estaduais como “parte do problema” da violência no campo .
Dom José Ionilton citou como exemplo a legislação que trata do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, como fonte de conflito por terra.
“A nossa luta é para não deixar que a legislação venha para atrapalhar a vida do camponês, do ribeirinho, dos assentados, dos indígenas, dos quilombolas e tantas outras pessoas. Trabalhamos para que a reforma agrária avance para assentar os trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, pois acreditamos que a reforma agrária é o caminho mais eficiente para diminuir ou até mesmo acabar com a violência no campo”, defendeu.