A coalizão de partidos de centro-esquerda do Uruguai que formam a Frente Ampla – que governou o país de 2005 a 2019 – teve mais votos na eleição desde domingo (27) do que no pleito de 2019, quando foram derrotados pelo atual presidente de centro-direita Luis Lacalle Pou.
Porém, o cenário segue indefinido para o segundo turno, que será realizado no dia 24 de novembro. Isso porque a soma dos votos obtidos pelos partidos de direita e centro-direita supera a dos conquistados pelo candidato da frente do ex-presidente José Pepe Mujica.
O candidato da Frente Ampla, Yamandú Orsi, teve 43,94% dos votos contra 26,77% de Álvaro Delgado, do Partido Nacional, e apoiado pelo atual governo. Em terceiro lugar, ficou o candidato do Partido Colorado, Andrés Ojeda, com 16,03% dos votos. Os demais oito candidatos presidenciais somaram 8,3% dos votos.
Em 2019, a frente de centro-esquerda teve 39,01% dos votos no primeiro turno. Ou seja, houve um crescimento de quase 5 pontos percentuais neste ano. No Parlamento, a Frente Ampla conseguiu maioria simples no Senado, mas ainda depende da votação no segundo turno para consolidar essa maioria. Na Câmara dos Deputados, nenhum dos dois principais blocos conseguiu a maioria.
O jornalista, doutor em ciência política e professor de relações internacionais Bruno Lima Rocha Beaklini avalia que é grande a chance de, no segundo turno, os votos de direita e centro-direita superarem os da Frente Ampla.
“Se fossem 47% ou 48%, a Frente Ampla ganhava tranquilo, mas não está tranquilo, não. A soma dos votos nos partidos de direita dá uma vitória à direita. Tem um quarto partido que é o que somou a maior parte dos votos dos descontentes. Se esse cara fizer apoio crítico à Frente Ampla pode ser que dê um empate técnico”, comentou Beaklini.
O especialista cita o candidato Gustavo Salle, do partido Identidade Soberana, que teve 2,69% dos votos e arrancou o quarto lugar, à frente do candidato de extrema-direita, Guido Manini Ríos. Guido teve 2,45% dos votos pelo partido Cabildo Abierto, que, de três senadores e 11 deputados em 2019, passou para apenas dois deputados e nenhum senador.
Já o candidato Gustavo Salle é uma espécie de outsider da política uruguaia, e o partido dele conseguiu, pela primeira vez, duas cadeiras na Câmara dos Deputados. Gustavo Salle tem pregado voto nulo no segundo turno.
O cientista político Leandro Gabiati também avalia que o segundo turno não está confortável para a Frente Ampla. “A tendência é que os demais partidos apoiem o candidato do Partido Nacional no segundo turno. Isso faz com que a eleição ainda fique muito indefinida”, avaliou o especialista.
Para Bruno Beaklini, a Frente Ampla precisa melhorar a votação não só na capital Montevidéu, onde sempre venceu as eleições. “Vai precisar ampliar a votação na capital e tentar melhorar em algum departamento do interior, melhorar bastante. Caso contrário, não vai dar”, completou.
O Partido Nacional – do atual presidente Luiz Lacalle Pou – caiu no número de votos se comparado com a última eleição, quando teve 28,8% no primeiro turno, contra os atuais 26,7% do seu apadrinhado Álvaro Delgado. Ainda assim, o resultado de Delgado foi ligeiramente superior ao previsto pelas pesquisas eleitorais.
O cientista político Leandro Gabiati avaliou que essa queda é normal para um partido que está no poder. “O Partido Nacional venceu a eleição anterior justamente por ser a mudança. Depois de cinco anos de governo de Lacalle Pou, há um desgaste de quem governa e esse desgaste reflete nesse desempenho menor nesta eleição”, analisou.
Para o especialista Gabiati, a vitória de um ou de outro candidato no próximo dia 24 de novembro não deve trazer mudanças importantes para a relação entre o Brasil e o Uruguai.
“O Lula e o Lacalle Pou têm dialogado de forma aberta e franca, apesar de serem de tendências ideológicas opostas. Como o Lacalle Pou se identifica com uma direita democrática de diálogo, isso não tem prejudicado as relações diplomáticas e políticas entre Brasil e Uruguai”, explicou.
O professor de relações internacionais Bruno Beaklini, por sua vez, avalia que a coalização de centro-esquerda traz mais benefícios para integração latino-americana e para o Mercosul.
“A Frente Ampla é entusiasta do Mercosul, assim como o governo brasileiro. A coalizão de direita não é. Dependendo da coalizão de direita, eles assinam o tratado de livre comércio com a China, por exemplo”, avaliou.
Além de votar para presidente, deputados e senadores, os uruguaios puderam se manifestar em relação a dois plebiscitos propostos pela sociedade; um que previa uma reforma na previdência social e outra que autorizava batidas policiais noturnas. Nos dois casos, as consultas não conseguiram mais de 50% dos votos e não foram aprovadas.
Em um dos plebiscitos, liderado pelas centrais sindicais do país, foi proposta uma reforma da previdência para limitar a idade de aposentadoria aos 60 anos, fixar o valor mínimo da aposentadoria ao valor do salário mínimo, além de acabar com as firmas de previdência privada. Em 2023, o governo uruguaio elevou de 60 para 65 anos a idade mínima para se aposentar.
Para o professor Bruno Beaklini, a falta de recursos para promover a campanha pela reforma da seguridade social e a falta de apoio da Frente Ampla ao plebiscito explicam a derrota da proposta dos sindicatos.
“Essa campanha foi à míngua. A central sindical bancou a campanha do próprio bolso junto com a esquerda que não é nem eleitoral. Dentro da Frente Ampla, o Partido Comunista bancou a campanha e os demais setores tiraram o pé. O debate não penetrou na sociedade do Uruguai como deveria”, destacou.
Na outra consulta, liderada por partidos de direita, pretendia-se mudar a Constituição para permitir as batidas policiais noturnas. A mudança também não teve apoio da maioria e foi rejeitada. Assim como no Brasil, a polícia só pode entrar na casa de um cidadão com mandado judicial e durante o dia.
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