Quase cinco décadas separam as chegadas de Pelé e Lionel Messi aos Estados Unidos. E os cenários que cada um encontrou são tão diferentes quanto a bola do soccer e a do futebol americano. Recém-campeão da Copa do Mundo, o argentino trocou o PSG pela Major League Soccer (MLS) para ser a estrela de um plano audacioso, que pretende enfim popularizar o esporte no país. Já o Rei do Futebol saiu da aposentadoria com a missão de salvar um projeto mambembe, repleto de times semiprofissionais, formados por trabalhadores latino-americanos, estudantes universitários e europeus que atuavam na construção civil.
A tecnologia por si só é uma aliada de Messi. Se na época de Pelé a notícia esbarrou nas limitações naturais de jornais, rádios e TVs, a contratação bombástica do argentino pelo Inter Miami varreu o mundo em poucos segundos. O anúncio oficial logo virou o assunto mais comentado nas redes sociais e fez o clube pular de um milhão para mais de 15 milhões de seguidores no Instagram. Esse número faz do Inter Miami a quarta franquia norte-americana com mais seguidores, atrás apenas de times da NBA — Golden State, Lakers e Cavaliers. Dona dos direitos de transmissão da MLS, a Apple TV ajudou a massificar ainda mais a imagem da estrela, transmitindo para todo o mundo sua apresentação. A emissora, que exibe os jogos com comentários em inglês e espanhol, celebra a aquisição de 300 mil novos assinantes desde então.
— Os Estados Unidos entrarão em uma década dourada para o futebol, e a estrutura está sendo muito bem montada para isso. O país receberá a Copa América-2024, a Copa do Mundo de Clubes-2025 e a Copa do Mundo-2026 — ressalta Luiz Mello, especialista em gestão esportiva e consultor estratégico da 777 Partners: — Todo o trabalho que já vem sendo desenvolvido para esse ciclo vai trazer a visibilidade e a estabilidade necessárias para que o futebol se consolide nos Estados Unidos.
Corrida de Patrocinadores
O fenômeno Messi fez disparar também a procura de patrocinadores interessados em aliar sua marca a essa explosão. O Inter Miami conta agora com aproximadamente 40 parceiros, que permitem o licenciamento de uma série de produtos com o selo ‘Messi 10’. Segundo estimativas do clube, devem ser vendidas 500 mil peças em todos os continentes somente nesta temporada, com um faturamento que chegará aos 100 milhões de dólares (o equivalente a R$ 485 milhões).
O crescimento do soccer nos Estados Unidos é consistente frente a outras ligas. A MLS perde somente para o basquete e o futebol americano no número de praticantes, e já está chegando perto do beisebol — destaca Mello, exaltando que os jovens têm sido atraídos pelo soccer: — Cerca de 11% da população entre 18 e 29 anos apontam o soccer como esporte favorito, atrás apenas do basquete e do futebol americano. A tendência é que a MLS faça esse número crescer ainda mais.
Com a bola rolando, o que se vê são estádios lotados para assistir às partidas de Messi. Na estreia do argentino, contra o Cruz Azul, do México, os ingressos custaram em média 712 dólares (R$ 3.450). Já o primeiro jogo de Pelé com a camisa do New York Cosmos, em 1975, foi contra o Dallas Tornado, em um estádio caindo aos pedaços, sob os viadutos de uma estrada. A estrutura era tão precária que o campo sem grama e esburacado foi pintado de verde para parecer (um pouco) melhor. Mas a genialidade de Pelé atraiu o público e despertou o interesse de outras estrelas para atuar nos EUA, como Franz Beckenbauer, Carlos Alberto Torres, Johan Cruyff, Gordon Banks e Bobby Moore. A aposentadoria do Rei em 1977, no entanto, fez a liga começar a perder força.
Após idas e vindas, o Cosmos está desativado e não se tem informações oficiais sobre seu retorno às atividades. Enquanto isso, o Inter Miami dá início às obras de construção do Miami Freedom Park. Trata-se de um complexo que abrigará um novo estádio para 25 mil pessoas, centros de entretenimento, três hotéis, parque, lojas e estacionamento.
Fora dos gramados, outro rosto muito conhecido dos torcedores toca o Inter Miami: David Beckham, sócio do magnata da construção Jorge Mas e seu irmão, José Mas. O inglês trocou a idolatria no Real Madrid pelo quase esquecimento no LA Galaxy, em 2007. Foi taxado de ex-jogador em atividade, mas o que ele fazia ali era traçar uma estratégia muito bem definida: o contrato tinha uma cláusula que lhe permitia comprar uma franquia na liga americana assim que se aposentasse, por um valor fixo 25 milhões de dólares (R$ 121 milhões). Nove anos depois, o Inter Miami vale 24 vezes mais, de acordo com estimativa da ‘Forbes’, e pode alcançar 1,5 bilhão de dólares (R$ 7,2 bilhões) em 2024, graças ao fenômeno Messi.
Convencer o argentino não foi tarefa difícil. Enquanto os principais jogadores saíam da Europa em direção à Arábia Saudita, país fechado e de hábitos rigorosos, o Inter ofereceu a Messi um local com belas praias e onde o idioma é predominantemente espanhol. Soma-se a isso, claro, uma proposta sedutora: cerca de 58 milhões de dólares (R$ 285 milhões) anuais. Para efeito comparativo, Pelé recebeu menos que isso por dois anos. O argentino ainda tem direito a participação nos lucros da Apple e da Adidas — todos os clubes têm contrato com a marca alemã. E mais: após se aposentar, em 2025, Messi terá o direito de se tornar um dos donos do Inter. Até lá, terá tempo para fazer suas jogadas geniais, marcar belos gols, curtir a cidade e aprender com Beckham que há vida no futebol fora das quatro linhas.
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