Um ano após a sanção da Lei 14.454/2022, que ampliou a cobertura dos planos de saúde, operadoras ainda resistem em autorizar espontaneamente tratamentos não previstos no Rol de Procedimentos e Eventos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Com isso, apesar de a nova lei prever a cobertura de exames, cirurgias e medicamentos com base na comprovação científica de sua eficácia, os beneficiários continuam tendo que recorrer ao Poder Judiciário para obter a liberação de seus tratamentos.
De acordo com pesquisa da Escola de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a negativa de cobertura assistencial por parte dos planos de saúde é um dos principais motivos que levam os consumidores à Justiça atualmente. Esse tema responde, por exemplo, a mais da metade das decisões na primeira e na segunda instância paulista.
O estudo mostra, ainda, que a Justiça de São Paulo tem sido favorável aos usuários em 90% das demandas, entendendo que o rol de cobertura da ANS é exemplificativo, como estabelece a Lei 14.454/2022.
“Na prática, nada mudou com a nova lei, pois a judicialização se mantém necessária. Voltamos ao cenário anterior em que o rol era considerado exemplificativo, acrescendo, contudo, a justa necessidade de que o tratamento tenha base científica”, afirma o professor da pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar da USP de Ribeirão Preto e advogado especialista em ação contra planos de saúde, Elton Fernandes.
Lei permite superar rol da ANS
Segundo a Lei 14.454/2022, sancionada em setembro de 2022, é possível haver a cobertura de tratamentos médicos desde que: haja comprovação da eficácia científica; existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); ou que estejam incorporados por, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional. Com isso, permite-se superar o rol da ANS quando o tratamento prescrito ao paciente ainda não foi incluído na listagem.
A lei que revalidou o caráter exemplificativo do rol da ANS foi debatida no Congresso após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter considerado o rol taxativo. Ou seja, as operadoras estavam obrigadas a cobrir apenas tratamentos incluídos na listagem da agência reguladora segundo o entendimento dos ministros.
O tema, inclusive, continuou a ser debatido pelo STJ, no julgamento de três processos que envolviam a cobertura de tratamentos fora do rol. No entanto, na última semana foi suspenso, após a ministra relatora Nancy Andrighi votar contra as operadoras de planos de saúde, determinando que mesmo os tratamentos não previstos nas diretrizes da ANS devem ser pagos pelas empresas.
Aplicação da Lei 14.454 pelos planos de saúde
Apesar de um ano da sanção da Lei 14.454, ainda não houve a regulamentação por parte do governo federal, com a edição de um decreto que detalhe como a norma deve ser aplicada. Como consequência, persiste a recusa de tratamentos não previstos pelo rol da ANS pelas operadoras, ao passo que os beneficiários precisam entrar com ação contra o plano de saúde.
O professor e advogado Elton Fernandes explica, no entanto, que a Justiça tem reconhecido o direito dos pacientes, desde que comprovada a eficácia à luz da ciência para o tratamento prescrito. Até porque o que rege o ordenamento jurídico brasileiro é o Princípio de Hierarquia de Normas, em que nenhuma regra da ANS pode se sobrepor à lei, que é superior a todos contratos ou diretrizes das instituições.
“Nenhum contrato pode contrariar lei e, se contrariar, a cláusula poderá ser tida como abusiva pelo Poder Judiciário. A dificuldade, contudo, pode estar na amplitude do conceito de evidência científica. Grosso modo, a opinião de um especialista é uma evidência científica, embora sem o mesmo grau de confiabilidade que um estudo clínico mais amplo, por exemplo”, explica Elton Fernandes, acerca da ausência de regulamentação da lei.
Liberação de tratamentos fora do rol da ANS
Elton Fernandes ressalta, porém, que para se obter a liberação de um tratamento fora do rol da ANS é necessário cumprir os requisitos da Lei 14.454. E, para isto, é essencial que o paciente tenha um bom relatório médico, que informe não só a necessidade quanto a base científica da recomendação.
Nesse sentido, o professor de Direito Médico destaca a importância do respaldo médico e também do advogado especialista em ação contra planos de saúde para buscar comprovar a eficácia científica do tratamento, como determina a lei. “Desse modo, a Justiça pode entender que, estando o caso em acordo com a ciência e com a lei, o paciente deve ter direito à cobertura do tratamento pelo plano de saúde”, pondera.
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