A definição sobre os critérios para uma eventual ampliação do Brics e a criação de uma unidade de valor comum no comércio entre os países do bloco estão na pauta da 15ª Cúpula do Brics, que começa nesta terça-feira (22), em Joanesburgo, África do Sul, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mais de 20 países já manifestaram formalmente interesse em integrar o Brics, como Irã, Arábia Saudita e Argentina.
A inclusão de novos países no Brics – grupo atualmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –pode não ser interessante para o Brasil. A avaliação é do coordenador do Grupo de Estudos sobre o Brics (Gebrics) da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Borba Casella.
Para o especialista, a inclusão de novos países pode acabar atrapalhando os trabalhos do grupo. “Essa possível ampliação vai significar paralisar e bagunçar toda essa agenda que funciona e que até agora fazia sentido, porque os cinco países têm visibilidade, representam uma parcela importante da população mundial, da economia mundial”, explica Casella, que é professor de direito internacional público da Faculdade de Direito da USP.
Para ele, a mudança na constituição do Brics poderá levar o Brasil a deixar o grupo. “Não sei se é conveniente para o Brasil estar aliado com o grupo que será marcadamente anti-ocidente para se colocar em oposição à União Europeia e aos Estados Unidos. Não nos interessa estar em rota de colisão com parceiros comerciais importantes, não vejo vantagem nenhuma para o Brasil”, diz Casella. Ele explica que, como o Brics não é uma organização internacional constituída, não há um procedimento previamente determinado para o ingresso de novos países.
A discussão sobre a ampliação do Brics pode ser um sinal de necessidade de vitalidade e revigoramento do bloco, na avaliação do professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Alcides Cunha Costa Vaz. Para ele, a longo prazo, a inclusão de mais países pode ser um complicador na busca de convergência e consensos. “Quando se amplia o número de membros, a pluralidade, a diversidade e as desigualdades também aumentam e se torna mais dificultoso o processo decisório, o estabelecimento de agendas fortes e convergentes.”
Para a especialista em China Larissa Wachholz, o sucesso de uma possível expansão do bloco vai depender da forma como ela for concretizada. “É preciso ter a compreensão de onde se quer chegar e pensar em um processo de expansão condizente com os objetivos que se quer alcançar: se é expandir o comércio dos países envolvidos, ou expandir as opções de financiamento. Os países com interesse em aderir devem pensar de forma similar, para trazer mais consenso e não dissenso”, avalia a sócia da assessoria financeira Vallya.
Apesar das vantagens para o Brasil de uma possível ampliação do grupo, como a expansão de mercados, a cooperação na área de desenvolvimento sustentável, infraestrutura e tecnologia, além do fortalecimento do papel internacional, a entrada de novos membros pode resultar em divergências de interesses e prioridades e na complexidade da cooperação entre os países. “Quanto mais países entram no grupo, mais complexa podem se tornar a coordenação e a tomada de decisões. Diferenças culturais, econômicas e políticas entre os membros podem dificultar a implementação de acordos e projetos conjuntos”, diz o pesquisador Bruno Fabricio Alcebino da Silva, do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (Opeb).
A reunião do Brics também deverá ter discussões importantes sobre a possibilidade da criação de uma unidade de valor comum em transações comerciais e de investimentos entre os membros do agrupamento. Para a especialista Larissa Wachholz , a criação de instrumentos que facilitem o comércio internacional é sempre bem-vinda. “Um país como o Brasil se fortalece com um comércio internacional resiliente, amplo, que contempla vários atores”, destaca.
Já o professor Casella diz que não tem “nada contra a ideia, desde que funcione”. “O que realmente importa não é que digam que lançaram mais um mecanismo, é que isso funcione, que o mercado aceite e que se passe a ter operações decomércio exterior, de compra e venda de mercadorias ecommoditiesusando esse mecanismo.”
Segundo o governo brasileiro, a discussão sobre a unidade de valor comum ainda é embrionária. “Essa unidade não visa a substituir as moedas nacionais, mas a projetar alternativa estável às moedas internacionais predominantes”, informou o Palácio do Planalto, em publicação sobre o evento.
O debate sobre o financiamento a projetos de cooperação e desenvolvimento, por meio do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), é um dos pontos em que pode haver avanços mais concretos, na avaliação do professor Costa Vaz. “É possível equilibrar as dificuldades no campo político com uma maior proatividade no campo dos instrumentos de financiamento ao desenvolvimento, o que pode mostrar ao final uma cúpula com resultados tangíveis”, avalia.
Além da concertação política, o Brics contempla iniciativas setoriais e de cooperação, incluindo comércio e finanças, ciência, indústria, energia, tecnologia e saúde. Segundo o governo brasileiro, a Cúpula do Brics deve avançar em temas importantes como: aprimoramento da governança global, recuperação econômica, cooperação entre países em desenvolvimento, combate à fome, mudança do clima e transição energética.
“Apesar dos desafios e das tensões geopolíticas, a cúpula representa uma oportunidade para abordar questões críticas, fortalecer a cooperação e definir a direção futura do grupo. A forma como os países Brics enfrentarão esses desafios e buscarão suas aspirações ainda está por ser determinada, mas o evento atual é um passo importante nesse processo”, avalia o pesquisador do Opeb.
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