Dossiê divulgado nesta quinta-feira (11) nositedo Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+ no Brasil denuncia a ocorrência de 273 mortes dessas pessoas de forma violenta no país, em 2022. Desse total, 228 foram assassinatos, correspondendo a 83,52% dos casos; 30, suicídios (10,99%); e 15 mortes por outras causas (5,49%). No relatório , a sigla LGBTI+ se refere a pessoas lésbicas,gays, bissexuais, travestis, mulheres e homens trans, pessoas transmasculinas, não binárias e demais dissidências sexuais e de gênero. O dossiê será lançado na próxima terça-feira (16), às 16h, em Brasília, junto com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.
A organização não governamental (ONG) Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+ foi fundada em janeiro de 2020 por Alexandre Bogas, diretor executivo da Acontece – Arte e Política LGBTI+, e pelo Grupo Gay da Bahia (GGB). Participam também a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). A elaboração do dossiê teve apoio do Fundo do Reino dos Países Baixos e do Fundo Brasil de Direitos Humanos, que têm financiado uma série de ações realizadas pela Acontece LGBTI+.
Em entrevista àAgência Brasil, Alexandre Bogas destacou que as 273 mortes correspondem a uma pessoa LGBTI+ assassinadaa cada 32 horas, ou a uma média de duas mortes a cada três dias. O relatório foi baseado em registros de casos relatados em reportagens online, notícias de redes sociais e de portais eletrônicos. São procuradas informações também em institutos médicos legais (IMLs) e secretarias de Segurança Pública. Bogas disse que esses dados, embora mais restritos, também são trabalhados pelo observatório. Há também relatos pessoais incluídos na investigação. “A dificuldade principal nossa são os recursos, e a gente acaba dependendo de muito voluntariado para isso funcionar”.
Embora o total de crimes de ódio tenha apresentado declínio em relação ao ano anterior, quando foram registradas 316 mortes, Bogas afirmou que o Brasil continua campeão norankingmundial desses crimes há 14 anos, seguido pelo México, com 120 mortes. Em 2020, foram apurados 237 assassinatos. “O Brasil é o país onde mais se mata LGBT no mundo”, lamenta o diretor.
Segundo o fundador do observatório, o dossiê evidencia que o Brasil é um país violento, tem uma quantidade de homicídios muita alta, de modo geral, e isso reflete na população LGBTI+ em especial, porque muitos casos têm agravantes, como a desfiguração do rosto das pessoas, corte de órgãos genitais eestupro. “Tem mais crueldade por estar vendo que a pessoa é LGBT, nos processos que a gente acompanha dos casos.”
O dossiê denunciatambém a falta do olhar público para esses crimes. Além disso, em muitos casos, não se consegue descobrir que é o autor dos crimes. “O dossiê vem, justamente, fazer um alerta, vem denunciar o que vem acontecendo no Brasil desde sempre”. Embora os números apurados representem número elevado de assassinatos relacionados àidentidade de gênero ou orientação sexual, esses dados ainda são subnotificados no Brasil.
O relatório de 2022 identificou 159 travestis e mulheres trans mortas e97gaysassassinatos. Foram registrados ainda 18 suicídios cometidos por pessoas trans. Em relação à raça, 91 vítimas eram pretas e pardas e94, brancas. O dossiê também destaca que91 vítimas tinham entre 20 a 29 anos (33,33% dos casos). Além disso, 74 mortes ocorreram por arma de fogo e48 mortes por esfaqueamento. As violências praticadas contra LGBTI+ ocorreram em ambientes diversos, como via pública, lar, prisão, local de trabalho, entre outros.
No que se refere àdistribuição geográfica dos assassinatos, 118 foram registrados no Nordeste e 71, no Sudeste.O dossiê aponta o Ceará como o estado com o maior número de vítimas (34), seguido por São Paulo (28) e Pernambuco (19). Considerando-se, porém, o número de vítimas por milhão de habitantes, orankingda violência LGBTIfóbica é liderado pelo Ceará, com 3,8mortes,Alagoas(3,52) e Amazonas (3,29).
Dados preliminares de 2023, divulgados no relatório, revelam que nos primeiros quatro meses do ano foram registrados 80 assassinatos de pessoas LGBTI+, sendo que a população de travestis e mulheres trans representa62,50% do total de mortes (50); osgays, 32,5% dos casos (26 mortes); homens trans e pessoas transmasculinas, 2,5%(duasmortes); e mulheres lésbicas,2,5% (duasmortes). Não foi identificado nenhum caso contra pessoas bissexuais.
Segundo o observatório, diferentes formas de mortes violentas de pessoas LGBTI+ vêm ocorrendo no Brasil desde o período da colonização, “mesmo antes das denominações atuais de sexualidade e gênero". "Em função da LGBTIfobia estrutural, essas pessoas são colocadas em situação de vulnerabilidade por não se enquadrarem em um padrão socialmente referenciado na heteronormatividade, na binariedade e na cisnormatividade”, criticaa ONG. A organização destaca que, entre 2000 e 2022, 5.635 pessoas morreram em função do “preconceito e da intolerância de parte da população e devido ao descaso das autoridades responsáveis pela efetivação de políticas públicas capazes de conter os casos de violência”. A homofobia configura crime no Brasil, assim como o racismo. A pena pode variar entre um a cincoanos, dependendo do ato homofóbico, além da aplicação demulta.
O dossiê sugere várias ações em termos de política pública para reverter esse quadro e tratar com mais igualdade essas pessoas. Entre elas, educação nas escolas, protocolo de policiais, campanhas públicas que incluam a diversidade. Essas políticas auxiliam, por exemplo, no aumento da empregabilidade, na capacitação de profissionais da saúde e na criação da delegacia especializada a grupos vulneráveis, indicou a ONG.