"De acordo com nossas constatações, a associação tinha o objetivo de acabar com a ordem estatal existente na Alemanha, a ordem fundamental livre e democrática, usando violência e meios militares." Foi assim que o procurador-geral do país, Peter Frank, descreveu os motivos que levaram a uma grande operação policial nesta semana contra os apoiadores do chamado movimento Reichsbürger.
Vinte e cinco pessoas ao movimento foram presas, acusadas de formar uma célula terrorista que pretendia lançar ações violentas para tentar derrubar o governo. Entre os presos estavam aristocratas , ex-militares e uma juíza.
Os membros do movimento Reichsbürger ("Cidadãos do Império Alemão", em tradução literal) negam a existência da República Federal da Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Eles acreditam que o Estado atual não é mais do que uma construção administrativa ainda ocupada pelas potências ocidentais – Estados Unidos, Reino Unido e França. Para eles, ainda existem as fronteiras de 1937 do Império Alemão.
Mas o que significa "eliminar a ordem fundamental livre e democrática"? Pode significar atacar políticos, invadir o Parlamento alemão (Bundestag), derrubar o governo federal, dissolver o Judiciário e se apoderar das Forças Armadas.
Mas será que isso pode mesmo ocorrer na Alemanha de hoje com seus mais de 75 anos de democracia, uma Constituição, instituições sólidas e separação de poderes?
"O Estado é defensável: a maioria absoluta dos cidadãos não só se identifica como democrata, mas também acha que vale a pena proteger a democracia", afirmou Andreas Zick, chefe do Instituto de Pesquisa Interdisciplinar sobre Conflitos e Violência da Universidade de Bielefeld, em entrevista a DW.
Timo Reinfrank, diretor-executivo da Fundação Amadeu Antônio, que tem como objetivo fortalecer a sociedade civil contra o extremismo de direita, compartilha da mesma opinião. "Um verdadeiro golpe de Estado alcançou sucesso na Alemanha, pois a ordem estatal e a Constituição são sólidas demais para isso."
Analistas políticos alertaram nesta semana contra a subestimação das pessoas que foram presas e da cena militante associadas. O grupo é "insanamente perigoso", alertou Sebastian Fiedler, porta-voz sobre justiça criminal do Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda. O movimento Reichsbürger, como um todo, é capaz e está disposto a realizar sérios ataques terroristas contra o Estado, diz o especialista em terrorismo Peter R. Neumann.
Mas o que especificamente torna o grupo tão perigoso? Uma é razão a sua composição – e, a outra, a ideologia que os une. As 25 pessoas presas nesta semana que planejavam um golpe de Estado pertencem a uma miscelânea de extremistas – entre eles são membros do movimento Reichsbürger e contrários às restrições anticovid que saíram às ruas nos últimos dois anos.
O que eles têm em comum é a rejeição ao Estado democrático, embora nem todos sejam figuras à margem da sociedade ou radicais de extrema direita.
"Em parte, eles são pessoas bem-educadas e que exercem uma profissão, que se deslocam do centro [do espectro político] para a cena [extremista] e podem ali construir uma sociedade paralelamente", disse Zick. "Ao longo de vários anos, eles conseguiram desenvolver um meio coeso e fechar alianças com outros grupos."
Entre os presos está uma juíza e ex-deputada no Parlamento alemão pertencente ao partido populista ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD). O grupo também inclui ex-oficiais do exército, aristocratas e ex-membros da polícia. Em outras palavras, pessoas que têm contatos, conhecimentos sobre instituições democráticas e recursos financeiros. Alguns deles possuem e estão aptos a usar armas de fogo, muitos dos quais foram compreendidos durante a operação.
Isso faz dos presos e seus apoiadores uma ameaça ao Estado de direito, mesmo que eles consigam derrubar o sistema. "Podem não ser capazes de dar um golpe bem-sucedido, mas fragmentos das ideologias podem ser disseminados e adotados por outros grupos extremistas ou mesmo por indivíduos da sociedade", contorna Zick.
O sociólogo adverte que muitas pessoas estão unidas por algo que se tornou uma perigosa mistura ideológica. Alguns deles acreditam que existe um Estado dentro do Estado que opera em segredo e aderem a conspirações antissemitas, um "deepstate". "O que também é central aqui é que muitos dos grupos praticamente preparados que o sistema seja derrubado, porque eles não reconhecem a forma de governo e a democracia na sua essência", explicou Zick.
Em particular, a pandemia de covid-19 e os protestos associados a uma radicalização da cena extremista, concluem muitos especialistas. Algumas pessoas perderam a fé no Estado democrático e se tornaram receptivas a supostas lutas pela liberdade e ao estabelecimento de um Estado alternativo.
"Os protestos contra o coronavírus reúnem vários grupos do centro da classe média, populistas de direita, extremistas de direita, teóricos da conspiração e outros universos sobre ideologias de resistência e liberdade", disse Andreas Zick.
"Certamente não são extremistas de direita clássica, mas é algo que vem chamando de extremismo conspiratório há bastante tempo. Nesse caso, você poderia chamar mais precisamente de terrorismo conspiratório de direita", explicou Sebastian Fiedler, porta-voz do SPD sobre política criminal.
E a política e a sociedade aparentemente ainda não encontraram uma maneira de combater esses extremismos. Fiedler afirma, por exemplo, que o Estado e os políticos agora compreendem muito bem como funcionam a radicalização no extremismo de direita e no islamismo – e criaram programas de desradicalização.
Mas eles não estão tão avançados no tocar a lidar com as teorias de conspiração. O pesquisador de conflitos Andreas Zick também defende uma análise detalhada dos diferentes grupos para, em seguida, estabelecer um plano de prevenção, que parece mais urgente do que nunca: são justamente as crises em um mundo complexo que podem afastar as pessoas da democracia, que às vezes pode parecer tediosa e complicada. E muitos são atraídos em direção às emoções simples que tornam as teorias da conspiração tão atraentes.
"O extremismo, em particular, está mudando, e especialmente em tempos de crise", alertou Zick. "Nós atendemos a nos concentrar na maioria das pessoas, mas são pequenos grupos – como células terroristas – que podem tornar um Estado inevitável."