Traduzido por Julio Batista
Original de Carly Cassella para o ScienceAlert
As descobertas acrescentam peso à ideia de que as faixas carregadoras de bebês eram amplamente utilizadas nos tempos pré-históricos, embora a evidência arqueológica de tal tecido geralmente não seja preservada no registro fóssil. Pesquisadores descobriram o túmulo na caverna de Arma Veirana, na Itália, em 2017. Nos anos seguintes, a criança enterrada foi apelidada de “Neve”, e seus dentes sugerem que ela é o bebê mais velho sepultado na Europa.
Notavelmente, a comunidade de Neve a enterrou com um grande número de miçangas, sugerindo que ela era muito amada e respeitada. Agora, uma nova análise do conteúdo da sepultura e da posição da criança sugere que adultos carregaram Neve durante sua curta vida envolta em uma faixa adornada com conchas.
Nada resta do envoltório hoje, mas as conchas ao redor de Neve são perfuradas de tal forma que indica que alguém amarrou as conchas e as costurou em tecido, pele ou couro.
Um estudo anterior de 2017 das miçangas de Neve estimou que levavam horas de trabalho para serem feitas. Enterrar os ornamentos não teria sido uma decisão tomada de última hora. Esses materiais podem ter formado uma faixa, ou podem ter sido um cobertor ou roupa de baixo.
Todas as três teorias são legítimas, mas os pesquisadores por trás desta última análise, liderada pela antropóloga Claudine Gravel-Miguel, da Universidade Estadual do Arizona (EUA), suspeitam que a opção do porta-bebês seja mais provável por alguns motivos.
Como as pernas da criança estão dobradas sobre o abdômen, disfarçando muitas das conchas, Gravel-Miguel e colegas suspeitam que esses adornos não foram feitos para serem ornamentos funerários, espalhados no topo de uma sepultura.
Em vez disso, eles provavelmente eram “parte de uma roupa decorada ou faixa de bebê que provavelmente foi usada durante a vida do bebê”.
Algumas das miçangas de conchas são até curvadas ao redor do osso do braço da criança, possivelmente traçando o contorno do envoltório perdido há muito tempo.
A varredura cuidadosa das próprias conchas mostra que elas estão bem gastas e sugere que elas foram usadas por muito mais tempo do que a curta vida de 40 a 50 dias dessa criança.
“Os resultados do estudo sugerem que as miçangas foram usadas por membros da comunidade do bebê por um período considerável antes de serem costuradas em uma faixa, possivelmente usado para manter o bebê perto dos pais enquanto permitia sua mobilidade, como visto em alguns grupos modernos de nômades”, supõem os autores.
Outros locais de sepultamento na península italiana raramente abrangem mais de 40 conchas perfuradas por peça e, no entanto, Neve está enterrada com mais de 70, juntamente com quatro pingentes de conchas bivalves perfuradas, aparentemente exclusivos deste local.
A abundância de conchas marinhas enterradas com Neve permitiu aos pesquisadores identificar potenciais padrões de uso de ornamentos, em relação à postura da criança.
Outros estudos recentes sobre cemitérios de bebês pré-históricos também encontraram ornamentos em potencial que parecem estar presos a objetos fixos, como cobertores ou carregadores de bebês. Eles geralmente são grandes demais para serem usados pelas próprias crianças, suspeitam os pesquisadores.
Costuma-se pensar que ornamentos humanos antigos em roupas comunicam identidade, gênero e status, mas também podem ser uma forma de proteção espiritual.
Uma comunidade indígena moderna na Amazônia, por exemplo, usa enfeites e miçangas como representações do cuidado dos pais com seus filhos.
“O bebê provavelmente foi enterrado nesta faixa para evitar a reutilização das miçangas que não conseguiram protegê-la ou simplesmente para criar uma conexão duradoura entre o bebê falecido e sua comunidade”, escreveram os autores.
Em outras populações modernas de nômades, decorações semelhantes ainda são costuradas em carregadores de bebês e faixas até hoje.
“Não é de surpreender que nessas sociedades, bebês e crianças estejam sempre bem adornados. Entre as miçangas usadas para enfeitar e proteger o corpo, a maioria são de ‘segunda mão’, ou seja, miçangas que foram doadas pelos pais, avós e parentes como um ato de cuidado com a criança”, escreveram os autores do novo estudo.
“Este paper contribui com informações verdadeiramente originais sobre a arqueologia do cuidado infantil”, disse o antropólogo Julien Riel-Salvatore, da Universidade de Montreal.
“Ele une a ciência e a arte da arqueologia para chegar ao elemento ‘humano’ que impulsiona o tipo de pesquisa que fazemos.”
O estudo foi publicado no Journal of Archaeological Method and Theory.