Depois de contaminar debates ao redor do mundo em temas-chave como o Brexit, no Reino Unido, e a política americana sob o governo de Donald Trump (2017-2021), o império das notícias falsas segue expandindo seus domínios e chega agora também ao Chile. O país realiza neste domingo (04/09) um plebiscito para decidir sobre a aprovação ou rejeição de uma nova Constituição.
A campanha do plebiscito constitucional tem sido marcada por desinformação – termo que designa o uso malicioso de informações falsas e que, na boca do povo, atende pela alcunha de fake news. Alguns exemplos: a nova carta magna aboliria a bandeira nacional, liberaria o aborto até o 9º mês de gestação e poria fim à polícia uniformizada.
A contaminação do debate também se dá pela introdução de informações de cunho duvidoso, como a afirmação de que não seria mais possível herdar fundos de pensão, ou que os mapuche – maior etnia indígena do Chile – ficariam impunes caso cometessem delitos.
A isso se somam as acusações contra o Servel, a autoridade eleitoral chilena, bem como polêmicas suscitadas por relatos fictícios e afirmações falsas televisionadas pela campanha contrária ao novo texto constitucional. Em resposta, o Servel teve que publicar vários desmentidos em suas páginas institucionais, e a campanha pela aprovação lançou há duas semanas a plataforma "Plebiscito Sem Mentiras".
Houve ainda a circulação de falsas versões impressas da proposta constitucional, além da distribuição ao público de informações questionáveis por parte de antigos constituintes.
Em um cenário turbulento em que a desinformação é abundante, é natural que cidadãos fiquem confusos e não saibam ao certo no que acreditar. O trabalho de checagem de fatos realizado por jornalistas tem sido de suma importância para aqueles que querem votar bem informados.
O jornalista Tomás Martínez, diretor do site Mala Espina, especializado em checagem de fatos, afirma à DW que a circulação de notícias falsas aumentou desde o plebiscito de outubro de 2020, quando quase 80% da população chilena expressou seu desejo por uma nova Constituição.
"Tem desinformação de todo tipo, como as que tentam desencorajar as pessoas a votar e as que abordam os conteúdos da proposta", lista Martínez.
Ele confirma que, desde que a constituinte entregou o novo texto ao presidente Gabriel Boric, um dos grandes focos de informações falsas tem sido o Servel, que foi acusado de fraude, entre outras coisas.
Ángela Erpel, que é coordenadora de Democracia e Direitos Humanos para o Cone Sul da Fundação Heinrich Böll em Santiago, ressalta o fato de que boa parte dos 21,7% de votos contrários à mudança da Constituição em 2020 veio de apenas três distritos da capital chilena e, em geral, de pessoas que detêm o controle sobre a mídia.
De acordo com Erpel, essa concentração explica em parte as narrativas desinformativas que buscam frear as mudanças na sociedade chilena. Isso desencadearia um "clima de questionamento da proposta [constitucional], com a mídia intensificando uma agenda tensa de notícias".
Para a socióloga, os temas que dividem a opinião pública tendem a estar relacionados à uma "massiva contaminação informativa" baseada na difusão de premissas falsas ou interpretações tendenciosas.
Entre os alvos, Erpel cita a plurinacionalidade – princípio que confere autonomia financeira e política aos indígenas, que pelos dados oficiais correspondiam em 2017 a 12,8% da população chilena –, bem como questões relacionadas à propriedade privada – isso apesar de a nova Constituição garantir desde o início o direito à propriedade.
Já o jornalista Martínez diz ver na sociedade um claro interesse pela busca de informações sobre o plebiscito – algo expresso no crescimento de acessos ao seu site, "não só para verificar informações, mas também para entender temas difíceis".