"Me dá nojo", foi o comentário de Karla Borger, presidente da organização Athleten Deutschland, às mais recentes acusações de abuso sexual no esporte alemão, desencadeadas por um documentário da emissora de TV ARD, em que, o ex-campeão mundial de salto ornamental Jan Hempel revela que sofrera abusos repetidos por seu treinador Werner Langer desde os 11 anos de idade, de 1982 até 1996.
No programa sobre violência sexualizada na natação profissional alemã, transmitido neste sábado (20/08) pela emissora de direito público, Hempel acusou responsáveis da Associação Alemã de Natação (DSV) de saberem dos delitos, sem nada terem feito.
"Eu sofri no próprio que para a DSV só o sucesso esportivo importa. Simplesmente se passa por cima de cadáveres. Não importa como. E quem não vai nessa onda é simplesmente chutado para fora." Pelo menos era assim na época – mas algumas personagens ainda estão lá: o atleta menciona explicitamente Lutz Buschkow, há 20 anos treinador-chefe federal dos saltadores alemães.
Borger, de 33 anos – que representa os interesses dos atletas alemães e atualmente compete no Campeonato Europeu de Vôlei de Praia, em Munique – declarou-se "abalada" pela revelações, exigindo que se investigue "o que acontece nos bastidores".
Jan Hempel foi medalha de prata dos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. Pouco antes de competir, ele comunicara a Langer que não podia e não queria mais trabalhar com ele. Só então a violência continuada teve fim. Langer se suicidou em 2001.
No documentário da TV ARD, o ex-campeão fala baixo, passa as mãos diversas vezes pelo rosto: sua luta interna é visível. "Sofri abuso pelo meu treinador. Ele nunca perdia uma oportunidade de dar livre vazão aos seus desejos e necessidades", revela Hempel, atualmente com 50 anos. E acrescenta: "Acredito que falar é um dever para com os outros, também para o futuro."
O ex-saltador Heiko Meyer, parceiro de longos anos de Hempel no salto sincronizado, conta que o amigo se confidenciara com ele, mas "nunca entrou em detalhes: "Eu sabia do que estava acontecendo. Mas em que medida... fiquei acabado."
Maximilian Klein, da Athleten Deutschland, afirma à DW que quem silencia "está protegendo as instituições e, desse modo, dos criminosos". "Em parte, pensam que sua ação impedirá que os atingidos sofram novos danos. Às vezes há relações de dependência ou redes de relações estreitas, que dão aos que estão sabendo a sensação de serem impotentes, e assim bloqueiam o esclarecimento."
Seria necessário "uma espécie de separação de poderes, com estruturas independentes", pois "sozinho e apenas com seus próprios meios, o esporte não vai efetuar um combate eficiente contra a violência e o abuso", alerta Klein.
"É que no sistema imperam demasiados conflitos de interesses, relações de dependência, estruturas isoladas ou laços de proximidade familiar. Acontece demais não se querer ou não se poder agir, não se acredita nos atingidos, denúncias dão em nada ou não têm consequências insuficientes."
Após a divulgação das acusações, a DSV dispensou Buschkow de suas funções, "até o esclarecimento final da questão". O presidente da associação, Marco Troll, comentou à ARD que o treinador federal estava sendo "retirado do fogo, o que inicialmente indica uma suposição de inocência": "Estamos chocados com esses fatos, de que tomamos conhecimento hoje, pela primeira vez, nesta forma", assegurou Troll.
Nos últimos anos, vieram à tona no esporte alemão escândalos de violência sexualizada também em outras modalidades, como no judô. Porém o problema é internacional, como provam outras revelações partindo da ginástica americana, ou do futebol britânico, afegão ou haitiano.
"No lugar de uma cultura de silenciar, é preciso se instaurar uma cultura de observar, reconhecer e agir", reivindica Maximilian Klein. "Até que isso chegue à superfície e, portanto, até o último ginásio do país, vai passar um tempo. Vai exigir processos de evolução longos e dolorosos nos clubes e associações."
Ao tomar a penosa decisão de falar sobre suas experiências traumáticas, o ex-campeão olímpico Jan Hempel disse que esperava ter "colocado a pedra em movimento": "Simplesmente tem que acontecer alguma coisa."