O homem acusado de atacar a facadas o escritor Salman Rushdie foi indiciado pelo crime e está detido sem direito à fiança, informou neste sábado (13/08) a promotoria do Condado de Chautauqua, no estado de Nova York, nos Estados Unidos.
Segundo um comunicado do órgão, Hadi Matar foi formalmente acusado dos crimes de tentativa de homicídio em segundo grau e agressão em segundo grau. Ele tem 24 anos e mora em Fairview, em Nova Jersey.
Em audiência realizada num tribunal de Nova York neste sábado, Matar se declarou inocente. O acusado compareceu à corte vestindo um macacão preto e branco e uma máscara facial branca. As mãos dele estavam algemadas à sua frente.
Rushdie, de 75 anos, cujo livro Os versos satânicos o fez alvo de ameaças de morte pelo Irã nos anos 1980, foi apunhalado no pescoço e no torso na sexta-feira, enquanto se preparava para dar uma palestra na região oeste do estado de Nova York.
Ele foi levado de helicóptero a um hospital e submetido a cirurgia. Seu agente literário afirmou ao jornal The New York Times na noite de sexta-feira que Rushdie respira com ajuda de aparelhos. "As notícias não são boas. Salman provavelmente perderá um olho, teve os nervos de seu braço rompidos e seu fígado foi esfaqueado e danificado."
Ele seguia hospitalizado em estado grave neste sábado.
O procurador distrital do Condado de Chautauqua, Jason Schmidt, informou que as agências policiais federais e estaduais, incluindo a de Nova Jersey, estão trabalhando para esclarecer se houve planejamento e preparação para o ataque e determinar quais acusações adicionais podem ser apresentadas contra Matar.
Ainda na sexta-feira, a polícia disse que não havia estabelecido uma motivação para o ataque contra o escritor, que estava sendo apresentado a uma plateia de centenas de pessoas antes de uma palestra sobre liberdade artística, quando o agressor subiu no palco e atacou o romancista.
Uma análise preliminar das redes sociais de Matar realizada pelas forças de segurança mostrou que o suspeito é simpático ao extremismo xiita e à Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, embora nenhuma ligação definitiva tenha sido encontrada, informou a emissora NBC Nova York.
A Guarda Revolucionária, divisão das forças armadas iranianas criada após a Revolução Islâmica de 1979 para proteger o novo sistema teocrático, é a organização militar mais poderosa da nação do Golfo Pérsico e controla amplos setores econômicos do país. Washington a classifica como uma organização terrorista.
Segundo a NBC, Matar nasceu na Califórnia e se mudou recentemente para Nova Jersey. Ele estaria portando uma carteira de motorista falsa. O acusado foi preso na cena do crime por um policial estadual, após ser jogado no chão por membros da plateia.
A NBC disse ainda que agentes do FBI estiveram na noite de sexta-feira no último endereço registrado por Matar, em Fairview, um distrito de Nova Jersey separado de Manhattan pelo rio Hudson. A polícia de Nova York, contudo, se recusou a comentar o caso.
O ataque a Rushdie gerou reações de indignação entre escritores e políticos de todo o mundo, que classificaram o crime como um atentado à liberdade de expressão.
O presidente dos EUA, Joe Biden, condenou o "ataque violento" e elogiou Rushdie por sua "recusa em ser intimidado ou silenciado". Em comunicado, o democrata afirmou que ele e sua esposa Jill, "junto com todos os americanos e pessoas ao redor do mundo, estão orando por sua saúde e recuperação".
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, também disse "condenar" fortemente o atentado. "A rejeição internacional de tais ações criminosas, que violam direitos e liberdades fundamentais, é o único caminho para um mundo melhor e mais pacífico", escreveu.
Já o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, chamou o ataque de um "ato desprezível" e desejou força ao escritor para sua recuperação. "O mundo precisa de pessoas como você que não são intimidadas pelo ódio e defendem corajosamente a liberdade de expressão."
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, afirmou que "ninguém deve ser ameaçado ou prejudicado com base no que escreveu". "Desejo a ele uma rápida recuperação", acrescentou.
Salman Rushdie é um importante porta-voz da liberdade de expressão e de causas liberais. Ele tem recebido ameaças de morte há décadas, e inclusive há uma recompensa oferecida por organizações iranianas de mais de 3 milhões de dólares a qualquer pessoa que o mate.
Seu romance Os versos satânicos, de 1988, foi considerado uma blasfêmia por muitos muçulmanos, que interpretaram um dos personagens como um insulto ao profeta Maomé, entre outras críticas. Protestos muitas vezes violentos irromperam contra Rushdie, que nasceu na Índia em uma família muçulmana. Um desses protestos acabou com 12 mortos em Mumbai, sua cidade natal.
O livro foi proibido no Irã, onde o então aiatolá Ruhollah Khomeini emitiu em 1989 uma fatwa (decreto religioso) pedindo a morte de Rushdie – Khomeini morreu naquele mesmo ano. O atual líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, nunca emitiu uma fatwa própria e revogou o decreto, e nos últimos anos o Irã não dedicou muita atenção ao escritor.
As ameaças de morte levaram Rushdie a se esconder sob um programa de proteção do governo britânico, que envolvia segurança armada 24 horas por dia. Rushdie reapareceu depois de nove anos de reclusão e cautelosamente retomou as aparições públicas, mantendo suas críticas abertas ao extremismo religioso.
Ele disse em uma palestra de 2012 que o terrorismo é a arte do medo. "A única maneira de vencê-lo é decidindo não ter medo'', afirmou. Rushdie obteve cidadania americana em 2016 e vive na cidade de Nova York. Ele venceu em 1981 o Booker, principal prêmio da literatura em língua inglesa, pelo livro Os filhos da meia-noite.
A Chautauqua Institution, onde ocorreu o ataque, fica em uma região rural de Nova York e funciona há mais de um século como espaço para reflexão e orientação espiritual. Os visitantes não passam por detectores de metal ou revista de bolsas.
O local é famoso por suas conferências de verão, nas quais Rushdie já havia falado antes. Os palestrantes abordam um tema diferente a cada semana. Rushdie e o moderador, Henry Reese, tinham sido convidados para discutir "os Estados Unidos como asilo para escritores e outros artistas no exílio, e como um lar para a liberdade de expressão criativa".