Em entrevista à Sputnik Brasil, Abdalla explicou que o BINGO e o Webb enxergam imagens diferentes do universo e, por isso, podem ser complementares na análise do cosmos. Para o físico, o radiotelescópio brasileiro tem potencial para fazer grandes descobertas por buscar enxergar a matéria escura do universo.
"O cosmos é muito complexo, e estamos muito longe do 'topo'. Somente a nossa galáxia, a Via Láctea, tem 100 mil anos-luz de tamanho. Tudo é muito longe, e, por isso, há diversas formas de se ter
imagens do universo", declarou. Abdalla, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP), destaca que o BINGO vai olhar para uma linha muito específica do hidrogênio, de 21 cm.
Isso faz com que o telescópio brasileiro tenha uma visão de 11 bilhões de anos atrás, quando a energia escura começou a se estabelecer no universo.
O James Webb, por sua vez, é um telescópio ótico que olha para a fase quente do Big Bang — anterior ao olhar do BINGO —, com o objetivo de entender os processos de expansão do universo.
"As informações cruzadas são importantes. Algumas informações o BINGO não vê, outras o James Webb não vê. O BINGO, o CHIME, no Canadá, o FAST, na China, o SKA, na África do Sul, vão nos dar uma observação no universo do rádio. É o mesmo que pintar uma parede com retalhos", destacou.
O pesquisador destaca que não há outro projeto semelhante no Brasil com essa grandeza. "A análise do BINGO é única.
O próprio telescópio é único, a região de observação é única", aponta. Conforme consta no site do projeto, ele é "
o único radiotelescópio que propõe mapear o gás neutro traçado pela linha de 21 cm em grandes escalas angulares no redshift z ~ 0.3".
BINGO é uma sigla adaptada do nome Baryon Acoustic Oscillations from Integrated Neutral Gas Observations (Oscilações Acústicas de Bárions de Observações Integradas de Gás Neutro, em tradução livre do inglês).
Essa característica pode torná-lo o primeiro no mundo a mapear as galáxias emissoras das rajadas rápidas de rádio (FRBs, na sigla em inglês), tendo um impacto enorme sobre a pesquisa astronômica. Segundo o físico, as FRBs produzem um milhão de trilhão de quilos transformados em energia. "A título de comparação, 0,7 grama transformado em energia corresponde à energia emitida pela bomba de Hiroshima", destacou. Além disso, outras descobertas podem ser feitas a partir da missão de enxergar a matéria escura do universo.
"Temos muita esperança no BINGO. Há colegas que acreditam que o BINGO pode se tornar o principal instrumento científico brasileiro, impactando no aspecto internacional também. Em ciência, a gente nunca diz 'eu tenho certeza' sobre o que não se conhece, mas o BINGO vai poder olhar para o setor escuro do universo, que corresponde a 95% do universo."
Abdalla aponta que podem ser encontrados estruturas e objetos fora do modelo padrão por olhar para essa parte escura do universo.
"Podemos ver estruturas que não são comuns para nós. Um planeta com energia escura? Será que haveria vida? Não sei, mas isso é fascinante!"
O coordenador do projeto disse à Sputnik Brasil que o BINGO deve entrar em funcionamento no fim de 2022, podendo trazer as primeiras imagens no segundo semestre de 2023. "O projeto está um pouco atrasado, mas tem razões para isso. A primeira é a pandemia, que não nos fez parar, mas nos atrapalhou. Outra é a dificuldade física para a construção em razão das condições do terreno, do acesso difícil… Mas estamos no caminho correto", disse.
O BINGO será instalado na cidade de Aguiar, no interior da Paraíba. A região foi escolhida com o objetivo de se ter menos interferências de ondas eletromagnéticas de celular e de rádio no telescópio. Uma parceria foi firmada com o governo da Paraíba e com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Abdalla avalia que em três meses o terreno deve estar pronto para receber a estrutura, composta de três torres: um 'espelho' horizontal, um vertical e um conjunto de cornetas, que vão receber as informações dos espelhos.
Segundo ele, são cinco estágios de instalação: construção, captação de dados crus, eliminação de ruídos, previsão numérica e previsão teórica.
Para ele, o projeto pode ter grandes impactos sobre a pesquisa científica brasileira.
"A primeira questão é a de formar pessoas com um conhecimento de análise numérica muito maior. Além disso, poderemos analisar o céu brasileiro de uma forma mais próxima. Com o BINGO o céu brasileiro não terá segredos; hoje ele tem. Poderemos ver asteroides, satélites que passam por aqui, o que é muito estratégico tanto como nação quanto como planeta."
Abdalla destacou ainda que o projeto tem ações voltadas à educação, com a formação de estudantes do interior da Paraíba, e à divulgação científica.
"O BINGO é muito importante para o Brasil em um momento em que muitas pessoas fazem propaganda anticiência."
O BINGO reúne 80 pesquisadores de Brasil, China, Reino Unido, França, África do Sul e Alemanha e mais 40 funcionários ligados a universidades.