Em um momento de perda de poder aquisitivo no Brasil, com maior precariedade do trabalho, alta da inflação e consequente escalada da fome, o país pode aumentar suas exportações de alimentos.
Embora pareça contraditório, não há uma relação de causa e efeito entre os dois fatores, entre a melhora das exportações e a queda do consumo interno, segundo especialista consultado pela Sputnik Brasil.
Um dos maiores mercados consumidores de commodities do mundo, a China encomendou de
250 mil a 400 mil toneladas de milho ao Brasil para setembro deste ano, em um movimento imprevisto, que ocorre devido à crise ucraniana, conforme
noticiou a Bloomberg.
Cerca de
70% das importações de milho da China em 2021 foram dos EUA e
29% da Ucrânia. Porém a quebra da cadeia produtiva de alimentos após o início do conflito na Ucrânia obrigou a China a buscar um novo fornecedor para
garantir o suprimento de milho, ingrediente alimentar para seu vasto rebanho de suínos.
O Brasil é o segundo maior exportador de milho do mundo, mas a China raramente comprou do país nos últimos nove anos por preocupações fitossanitárias. Em reunião recente em Brasília, as duas nações finalmente chegaram a um acordo sobre diretrizes sanitárias após anos de discussão, abrindo caminho para o novo negócio.
Mas isso não poderia pôr em risco a segurança alimentar brasileira, diante de uma provável crise mundial de alimentos? O país tem capacidade para aumentar o fornecimento do grão?
Cristiano Palavro, consultor técnico da Associação dos Produtores de Soja, Milho e outros Grãos Agrícolas do Estado de Goiás (Aprosoja-GO) e sócio-diretor da consultoria Pátria Agronegócios, afirma que ainda não há dados concretos sobre o tamanho da demanda chinesa no curto prazo pelo milho brasileiro, mas aponta que o volume pode ser significativo, tendo em vista a esperada
retração nas exportações da Ucrânia em 2022.
O especialista lembra que, atualmente, o Brasil exporta entre 38 milhões e 42 milhões de toneladas de milho por ano para todo o mundo. Segundo ele, a nova demanda deixaria o volume de excedente mais apertado, mas "o mercado pode se ajustar".
Palavro diz que o país pode aumentar a quantidade de milho destinada aos chineses e abrir espaço para outros ofertantes suprirem outros destinos.
"Em termos gerais, temos, sim, condições para esse fornecimento, desde que exista esse ajuste entre os demandadores. A prioridade é sempre o mercado interno brasileiro, porém o Brasil tem também a capacidade de importação de milho, de Paraguai e Argentina principalmente, para suprir eventuais buracos de oferta. Esses ajustes entre exportações, importações e mercado interno são feitos pelo próprio mercado, evoluindo à medida que a demanda migra em cada uma dessas pontas", avaliou o consultor técnico da Aprosoja-GO. Risco à segurança alimentar
De acordo com o especialista, a demanda chinesa por milho não poderá ser responsável por uma eventual insegurança alimentar no Brasil. Palavro aponta que "o mercado se ajustará através dos preços para garantir o fornecimento adequado".
"Podemos citar o exemplo dos últimos dois anos. Em 2020, tivemos uma safra cheia no Brasil, e o país foi um dos grandes exportadores no mercado mundial, com mais de 40 milhões de toneladas enviadas ao exterior, sem faltar produto ao mercado interno", disse.
Já em 2021, ele recorda, o Brasil teve "a maior
quebra bruta da safra de milho", ficando bem abaixo da expectativa inicial, exportando apenas 21 milhões de toneladas no ano. E, mesmo assim, também garantiu todo o milho necessário para o mercado interno.
"Isso mostra que o mercado se ajusta com as variações da oferta e demanda", indicou Palavro.
Tendência ou negócio pontual?
O especialista explica que o negócio com a China era um processo em discussão que foi impulsionado pela crise ucraniana.
Além disso, o consultor técnico da Aprosoja-GO lembra que, há dois anos, a China voltou a se tornar um importador relevante da commodity graças à recuperação do rebanho de suínos, depois de o país sofrer com a peste suína africana, que reduziu em 50% as criações entre 2018 e 2020.
A China é o segundo maior produtor de milho do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2021, o país importou
28,35 milhões de toneladas do grão, uma alta de
152%, após registrar
11,3 milhões em 2020, que já era um recorde, conforme dados
publicados pela agência Reuters com base em números da Administração Geral de Alfândegas.
"Nos últimos dois anos, a importação [chinesa] mais do que triplicou, o que amplia a necessidade de busca por novos parceiros comerciais no segmento. Sendo assim, acreditamos que esta seja de fato uma tendência, e não algo pontual. O Brasil deve figurar como um tradicional exportador de milho para a China daqui em diante", avaliou.