O documento do Departamento de Estado norte-americano, que faz uma análise à situação dos direitos humanos em 200 Estados, apresenta uma longa lista de abusos registados em Angola, nomeadamente por funcionários governamentais.
Entre estes abusos estão o desaparecimento forçado, casos de tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante por parte das forças de segurança governamentais, condições duras e ameaçadoras das prisões, detenção arbitrária, prisioneiros políticos ou prisioneiros, restrições graves à liberdade de expressão e à imprensa, incluindo violência, ameaças de violência ou detenções injustificadas contra jornalistas e leis de difamação criminosa.
A vasta lista inclui ainda a interferência na liberdade de reunião pacífica, atos graves de corrupção, falta de investigação e responsabilização pela violência baseada no género e crimes envolvendo violência ou ameaças de violência contra lésbicas, homossexuais, bissexuais, transexuais e intersexuais.
Os autores do relatório referem que “o Governo tomou medidas significativas para identificar, investigar, processar e punir os funcionários que cometeram abusos, bem como aqueles que estiveram envolvidos em corrupção”.
Mas concluíram que “a responsabilização pelos abusos dos direitos humanos foi limitada devido à falta de controlos e equilíbrios, falta de capacidade institucional, uma cultura de impunidade e a corrupção governamental”.
O relatório, apresentado na terça-feira pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, refere que “as autoridades civis mantiveram um controlo efetivo sobre as forças de segurança”, indicando que “houve relatos credíveis de que membros das forças de segurança cometeram alguns abusos”.
E recorda a situação registada em 30 de janeiro, na aldeia de Cafunfo, “uma área rica em diamantes na província da Lunda Norte”, quando “300 indivíduos armados com paus, catanas e armas de fogo tentaram entrar à força numa esquadra da polícia”.
“Isto provocou a polícia local a usar força mortal resultando em seis mortes, 20 feridos e mais de duas dúzias de detenções. Algumas organizações não governamentais (ONGs) e fontes dos meios de comunicação social enquadraram o ataque como uma manifestação pacífica de protesto contra a falta de acesso à água, educação e serviços sociais e relataram números de mortes muito mais elevados (não substanciados)”.
“O grupo foi organizado pelo Movimento Protetorado Lunda Tchokwe, que procura independência para a região. O governo encarou o confronto como uma insurreição armada e justificou o uso da força em autodefesa”, prossegue o documento.
Os autores escrevem que, na sequência destes confrontos entre manifestantes e as forças de segurança em Cafunfo, “houve vários relatos de pessoas desaparecidas”.
Os partidos da oposição relataram “o desaparecimento de 10 pessoas”, a Amnistia Internacional divulgou “relatórios não confirmados, alegando que muitos ativistas desaparecidos foram mortos e os seus corpos atirados para o rio Cuango” e “um respeitado jornalista que visitou Cafunfo, entre março e junho, relatou o desaparecimento de seis pessoas envolvidas no confronto”.
Sobre tortura e tratamento ou castigo cruel, o relatório dá conta de relatos de “espancamentos e outros abusos, tanto a caminho como dentro das esquadras de polícia, durante os interrogatórios”.
“O governo reconheceu que, por vezes, os membros das forças de segurança utilizavam força excessiva quando apreendiam indivíduos”.
O documento também aponta às forças de segurança a utilização, em certas ocasiões, de “força excessiva quando aplicaram restrições para fazer face à pandemia de covid-19”, ressalvando que “o Governo responsabilizou as forças de segurança por estes abusos em vários casos e forneceu alguma formação para reformar as forças de segurança”.
Em relação às condições das prisões e dos centros de detenção, estas são apresentadas como “duras e ameaçadoras devido à superlotação, falta de cuidados médicos, corrupção e violência”.
“As prisões tinham uma capacidade total para 21.000 reclusos, mas detinham aproximadamente 25.000 reclusos, dos quais aproximadamente 10.000 se encontravam detidos em prisão preventiva”.
No capítulo da liberdade de expressão, este relatório indica que “o governo nem sempre respeitou este direito”.
“Os meios de comunicação social estatais continuaram a ser a principal fonte de notícias e geralmente refletiam uma visão pró governamental”.
As pessoas optaram cada vez mais pela utilização de “meios de comunicação social privados e plataformas de comunicação social para criticar abertamente as políticas e práticas governamentais”.
A cobertura de casos de corrupção foi “a principal razão para os ataques contra jornalistas, que ocorreram impunemente”.
A este propósito, os autores indicam que o Governo implementou “eficazmente” a lei contra a corrupção por funcionários do Governo, recordando que “demitiu e processou ministros de gabinete, governadores provinciais, oficiais militares superiores e outros funcionários por corrupção e crimes financeiros”.
“Houve numerosos relatos de corrupção governamental durante o ano. A Procuradoria-Geral da República continuou as investigações de corrupção e apresentou acusações criminais contra vários funcionários. No entanto, a impunidade oficial e a aplicação uniforme da legislação anticorrupção continuaram a ser um problema grave”, lê-se no relatório.
O relatório norte-americano não refere os abusos das forças de segurança, condições prisionais criticáveis, tráfico humano para exploração económica, tortura e terrorismo de Estado praticado por autoridades dos EUA.