Brasil Bolsonaro
O mata-burro bolsonarista
Um terço dos deputados mais radicais deve morrer na porteira das eleições.
19/03/2022 08h57
Por: Redação Fonte: Theintercept.com

Como um autêntico boiadeiro tocando o gado, no fim de semana passado Bolsonaro moveu uma dezena de parlamentares da sua base radical de diferentes partidos para o Partido Liberal. Novo refúgio dos bolsonaristas convictos, o PL é uma das siglas do (se gritar pega) Centrão que sustenta o governo à base do toma-lá-dá-cá negociado por experientes e gananciosas raposas da política. 

Ao todo, o universo da base cegamente fiel a Bolsonaro tem algo como 70 parlamentares na Câmara dos Deputados. Mas, para se reelegerem, fazer arminha com a mão e defender bandeiras radicais e ultraconservadoras nas redes sociais não vai bastar. A estimativa de um dos articuladores do PL e líder da bancada da bala, o deputado paulista José Augusto Rosa, um oficial aposentado da Polícia Militar que se apresenta como Capitão Augusto, é de que 23 desses parlamentares fiquem pelo caminho, enroscados no mata-burro.

Quem é do interior como eu já viu dezenas de vezes um mata-burro, uma vala coberta por tiras de madeira ou barras de ferro. É uma forma simples e eficiente de permitir a passagem de pessoas e carros, mas impede a fuga de bois e vacas que ficam soltos nos pastos.

“O deputado que não fez base eleitoral, não trabalhou para uma região, não atuou nas eleições municipais ou junto a instituições [sociais], vai ter muita dificuldade de se reeleger", projetou Augusto. Ou seja, a coisa voltou a ser parecida com o que era antes da onda antipolítica iniciada em 2013 e que teve seu auge em 2018. O parlamentar estima que um terço de seus colegas que chegaram à Câmara impulsionados pelo bolsonarismo mas não abandonaram a estratégia de fazer arruaça sob encomenda para as redes sociais (a tal bancada da selfie, lembra?) ficará a ver navios em outubro próximo. 

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Augusto sabe do que fala. Nono deputado federal mais votado em São Paulo em 2018, ele trabalha na construção de candidaturas do partido de Bolsonaro.

Apesar de 57% dos brasileiros reprovarem a gestão Bolsonaro, segundo pesquisa do Poder Data, e da provável mudança de perfil da bancada conservadora, o deputado projeta que a base bolsonarista siga do mesmo tamanho que é hoje: cerca de 70 deputados.

Fora as estrelas e principais porta-vozes da extrema direita, como Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli, que têm a eleição dada como certa, a disputa de figuras menores do bolsonarismo radical será contra deputados estaduais e vereadores que souberam tirar proveito do bolsonarismo para conseguir um mandato e também souberam construir bases eleitorais junto a grupos de interesses locais nos últimos quatro anos.

Os indícios de que o caminho será mais escorregadio para a boiada de Bolsonaro se reflete nas brigas públicas entre apoiadores fiéis como o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, o deputado federal Carlos Jordy, do Rio, um dos recém-filiados ao PL, e o ex-chanceler doidivanas Ernesto Araújo, com o clã presidencial.

O PL, comandado por  Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão petista, não terá mais tempo de TV nem mais dinheiro do fundo eleitoral com a chegada dos novos parlamentares. Ao contrário, o que já havia será disputado por mais gente. Por outro lado, o partido ganha capilaridade para negociar apoio nos estados e candidatos dispostos a vincular seus nomes ao de Bolsonaro nos santinhos eleitorais.

Após a adesão dos parlamentares bolsonaristas ao seu feudo partidário, Costa Neto celebrou a criação da frente parlamentar Lealdade Acima de Tudo, lançada pelos fanáticos apoiadores do presidente na Câmara. E cobrou que ela se estenda a todos os filiados: “Temos que ser fiéis ao Bolsonaro, fazer tudo o que ele pede, tudo o que ele precisa, para podermos retribuir o que ele fez por nós”.

Hoje, o PL deverá celebrar a chegada de mais uma leva de bolsonaristas hardcore, inclusive as de Eduardo Bolsonaro, o 03, eleito por São Paulo, e de Bia Kicis, do Distrito Federal.

Costa Neto, como Bolsonaro, sabe que na política, como no campo, a comitiva do boiadeiro precisa seguir em frente, mesmo que algumas cabeças de gado fiquem no mata-burro.