Curiosidade Múmia egípcia
Um feto foi preservado dentro de uma múmia egípcia porque ficou ‘em conserva’, dizem cientistas
No ano passado, os arqueólogos apresentaram uma novidade incrível: a descoberta de um feto mumificado dentro da barriga de sua antiga mãe egípcia mumificada.
24/01/2022 21h15
Por: Redação Fonte: https://universoracionalista.org/um-feto-foi-preservado-dentro-de-uma-mumia-egipcia-porque-ficou-em-conserva-dizem-cientistas/

Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert

Quem era a mulher e como ela morreu há pouco mais de 2.000 anos ainda são mistérios – por isso ela é conhecida como a Senhora Misteriosa. Mas agora sabemos como o feto foi preservado. De acordo com uma nova pesquisa do Projeto Múmia de Varsóvia, a preservação ocorreu através da acidificação do corpo da mulher enquanto ela se decompunha. Como os pesquisadores colocaram de forma tão fácil de entender, o processo é semelhante a conservar um ovo.

“O feto permaneceu no útero intocado e começou a, digamos, entrar ‘em conserva’. Não é a comparação mais estética, mas transmite a ideia”, explicou a equipe de pesquisa, liderada pela bioarqueóloga Marzena Ożarek-Szilke, da Universidade de Varsóvia, na Polônia, e o arqueólogo Wojciech Ejsmond, da Academia Polonesa de Ciências, em uma postagem no blog. “O pH do sangue em cadáveres, incluindo o conteúdo do útero, cai significativamente, tornando-se mais ácido, as concentrações de amônia e ácido fórmico aumentam com o tempo. O preenchimento do corpo com natrão [uma mistura de sal coletada de leitos de lagos secos] limitou significativamente o acesso de ar e oxigênio. O resultado final é um útero quase hermeticamente fechado contendo o feto.”

A questão de saber se o que eles encontraram era realmente um feto foi colocada pelo radiologista Sahar Saleem, da Universidade do Cairo, no Egito, que escreveu uma resposta à descoberta inicial. Ela observou que nenhum osso pode ser detectado nos exames da múmia e, portanto, a identificação de um feto deve ser inconclusiva. Mas isso não é inesperado, argumentou Ożarek-Szilke e sua equipe. Os ossos fetais são muito pouco mineralizados durante os dois primeiros trimestres, o que significa que são difíceis de detectar após passarem por processos tafonômicos (ou de preservação). Ossos fetais são ainda difíceis de encontrar durante as escavações arqueológicas.

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Além disso, os processos de acidificação que teriam ocorrido dentro do cadáver da Senhora Misteriosa à medida que seu corpo se decompunha teriam desmineralizado ainda mais os já delicados ossos fetais.

Não é diferente do processo natural de mumificação que ocorre em turfeiras, onde o ambiente altamente ácido deixa ‘em conserva‘ os tecidos moles, mas desmineraliza os ossos.

Tomografia computadorizada do feto no útero; A é a cabeça e B é a mão. (Créditos: Ejsmond et al., J. Archaeol. Sci., 2022)

“Esse processo de desmineralização óssea em um ambiente ácido pode ser comparado a um experimento com um ovo”, escreveram os pesquisadores. “Imagine colocando um ovo em uma panela cheia de ácido. A casca do ovo está se dissolvendo, deixando apenas o interior do ovo (albúmen e gema) e os minerais da casca dissolvidos no ácido.”

A razão pela qual o corpo da Senhora Misteriosa e o corpo do feto são diferentes nesse quesito é porque eles mumificavam de maneira diferente. A senhora foi mumificada usando natrão, uma mistura de sal natural que os antigos egípcios usavam para secar e desinfetar os corpos. O feto, em seu útero selado, foi mumificado no ambiente ácido resultante.

Além disso, os minerais lixiviados dos ossos do feto teriam sido depositados nos tecidos moles do próprio feto e no útero ao redor dele, resultando em um conteúdo mineral maior do que o esperado. Isso significa que esses tecidos teriam maior radiodensidade nas tomografias.

Os resultados sugerem que talvez outras múmias grávidas possam estar escondidas à vista de todos em coleções de museus ao redor do mundo. As varreduras de múmias geralmente identificam ossos e amuletos colocados dentro de seus invólucros. Observando cuidadosamente os tecidos moles, outras múmias podem ser identificadas.

Por sua vez, isso pode ajudar arqueólogos e antropólogos a descobrir por que o feto foi deixado intacto quando os outros órgãos internos da Senhora Misteriosa foram removidos para o processo de mumificação.

“Talvez tenha algo a ver com crenças e renascimento na vida após a morte”, disse Ożarek-Szilke à Science in Poland. “Ainda é difícil tirar conclusões, pois não sabemos se esta é a única múmia grávida. Por enquanto, é definitivamente a única múmia egípcia grávida conhecida.”

A análise da equipe também determinou que, devido à posição do feto e à condição de fechamento do canal de parto, a mulher não morreu no parto. Análises anteriores descobriram que a Senhora Misteriosa tinha entre 20 e 30 anos quando morreu, e sua gravidez estava entre 26 e 30 semanas.

“A Senhora Misteriosa morreu junto com o feto e, ao examiná-la, restauramos sua memória”, escreveram os pesquisadores.

“Lembramos que foi uma pessoa que viveu há muito tempo, teve seus sonhos, provavelmente entes queridos e foi amada. Agora ela nos revela os segredos que levou consigo para o túmulo.”

A pesquisa foi publicada no Journal of Archaeological Science.