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O Último Suspiro dos Heróis
“Conforme a viatura percorria a penosa subida, as conversas entre cabo e sargento iam se espaçando e grandes silêncios se faziam, como se um transe se estabelece-se naquele pequeno e desprotegido espaço.”
18/01/2022 21h17
Por: Redação

A viatura subia lentamente a rua escura da comunidade, talvez a lentidão tenha sido causada pela falta de manutenção ou quem sabe pelas peças mal trocadas e pelas dezenas de gatilhos e jeitinhos? Não... talvez tenha sido apenas o medo que impedia o pé já cansado, devido as muitas horas sem dormir de pressionar o acelerador; sim aquele bom e velho medo comum a todos os seres humanos, e, mesmo que muitos não considerem, eles são seres humanos!

Conforme a viatura percorria a penosa subida, as conversas e entre cabo e sargento iam se espaçando e grandes silêncios se faziam, como se um transe se estabelecesse naquele pequeno e desprotegido espaço que para eles, em seu pobre imaginário, tinha status de fortaleza, assim como os moinhos de vento que para Dom Quixote eram monstros ferozes e temidos.

Mas o silêncio e a esperança foram quebrados ao primeiro som do projetil perfurando a lataria velha e desgastada.  Logo os sons se multiplicaram e por todos os lados; portas e janelas se romperam e em pleno desespero o primeiro grito de dor ecoou, num som aterrorizante que parecia tornar insignificante o barulho dos disparos que nem se sabia de onde saiam. Muitos foram os gritos de dor e desespero, neste momento o dedo no gatilho já não tinha forças para apertar nem os olhos habilidade para mirar.

Braços, peitos e cabeças pareciam atingidos sem dó sem piedade; o sangue vermelho ainda quente se confundia com o uniforme, com o mesmo uniforme que centenas de vezes foi lavado e posto para secar dentro de casa por medo e para proteção de suas famílias.

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Nos últimos momentos os pensamentos que restavam eram esses, apenas esses: a mulher e os filhos, que seriam sacrificados a uma vida de privações vivendo da baixa pensão, sem o auxílio dos bicos extras para melhorar o orçamento, nos muitos feriados e finais de semana sem dormir, as lembranças de todas as ausências nos aniversários, natais e comemorações, a angústia da família e os poucos momentos felizes que puderam ser intensamente vividos.

E antes do último suspiro e das últimas lembranças, as lagrimas já se misturavam ao sangue, ao uniforme, aos coturnos desgastados, ao colete vencido, criando uma triste e medonha aquarela que infelizmente ainda iria se repetir por centenas de vezes naquele ano, sobrando apenas dois corpos perfurados, dois números de uma estatística, duas vítimas de crime sem solução, mas com muitos culpados sem prisão.