A Universidade de Hong Kong retirou nesta quinta-feira (23/12) de seu campus um monumento sobre o massacre na Praça da Praz Celestial, que reprimiu de forma sangrenta protestos pró-democracia em Pequim em 4 de junho de 1989.
Para alguns membros da universidade, a retirada reflete a erosão das liberdades que os moradores da cidade tinham em comparação com a China continental.
A Coluna da Infâmia, de 8 metros de altura, retrata 50 corpos retorcidos e empilhados uns sobre os outros, e foi feito pelo escultor dinamarquês Jens Galschioet para simbolizar as vidas perdidas durante a repressão militar aos manifestantes pró-democracia em 1989. O governo chinês afirma que 200 civis e dezenas de policiais morreram, mas outras estimativas apontam que até 10 mil pessoas teriam perdido a vida no massacre.
"Eles estão enviando um sinal para os estudantes de que o movimento democrático e a liberdade de expressão em Hong Kong acabaram", disse Galschioet sobre a remoção do monumento.
Hong Kong é uma cidade semiautônoma que deixou o domínio britânico para ser integrada ao território chinês em 1997. O acordo de transferência estabeleceu o princípio "um país, dois sistemas" e garantia até 2047 alto grau de autonomia à cidade, onde se admitia livre expressão e iniciativas para marcar o massacre de 1989. Pequim, porém, vem paulatinamente consolidando seu domínio sobre o local.
Nos últimos dois anos, as autoridades proibiram as vigílias à luz de velas sobre o massacre e fecharam um museu privado que o documentava. O grupo que organizava a vigília anual e o museu, a Aliança de Hong Kong em Apoio à Democracia Patriótica, foi forçado a encerrar suas atividades , e alguns de seus membros mais importantes foram presos.
Todos os anos, no dia 4 de junho, membros da agora extinta união de estudantes lavavam a estátua para relembrar o massacre.
Em outubro, ativistas e grupos de direitos se opuseram a uma exigência da universidade de que a estátua fosse removida considerando "a mais recente avaliação de risco e aconselhamento jurídico". Galschioet ofereceu-se para levá-la de volta à Dinamarca, desde que não fosse processado, mas não teve sucesso até o momento.
O artista disse que recebeu ofertas para colocar a escultura em um parque em fente à embaixada da China em Washington, além de lugares na Noruega, no Canadá e em Taiwan.
Ele comparou a remoção da escultura a "dirigir um tanque sobre o cemitério de Arlington", onde estão enterrados veteranos de guerra dos Estados Unidos. "A profanação também é muito mal vista na China, mas se trata realmente disso. É quase um monumento sagrado'', disse. "É uma escultura para aqueles que morreram.''
A universidade informou que pediu que a escultura, que estava em seu campus há mais de duas décadas, fosse colocada em um depósito porque ela representava "riscos legais". "Ninguém nunca obteve uma aprovação da universidade para exibir a estátua no campus, e a universidade tem o direito de tomar medidas apropriadas para lidar com ela a qualquer momento", disse a instituição em um comunicado.
O desmonte da escultura ocorreu dias depois de candidatos pró-Pequim terem obtido uma grande vitória nas eleições legislativas de Hong Kong, após uma reforma eleitoral ter instituído um filtro prévio para que somente candidatos "patriotas" e leais ao governo chinês pudessem concorrer.
A chefe de governo de Hong Kong, Carrie Lam, viajou para Pequim nesta semana para relatar a situação na cidade chinesa semiautônoma, onde autoridades silenciaram a dissidência após a imposição de Pequim de uma lei de segurança nacional que mirava o movimento pró-democracia após grandes protestos em 2019.
O ministro das Relações Exteriores dinamarquês, Jeppe Kofod, disse que a remoção foi mais um fato preocupante em Hong Kong sobre o respeito aos direitos fundamentais.
"O governo dinamarquês não pode decidir qual arte universidades de outros países escolhem expor. Mas, para mim e para o governo, o direito de se expressar pacificamente – por meio da fala, da arte ou de outros meios – é um direito fundamental para todas as pessoas. E isso também é verdade para Hong Kong", disse.
Billy Kwok, estudante da Universidade de Hong Kong, disse que a Coluna da Infâmia era tratada como parte da universidade por muitos dos que estudaram lá. "É o símbolo de se a liberdade de expressão [ainda existe] (...) em Hong Kong'', afirmou.
O estudante Wang Luyao teve uma reação mista. "Como sou da China continental, talvez o meu entendimento sobre a Coluna da Infâmia não seja tão profundo quanto para os habitantes locais ou para os estudantes de Hong Kong", disse. "É como um marco que proporciona uma abordagem para compreensão. Para a Universidade de Hong Kong, também deveria ser considerado um marco."