Uma das nações mais isoladas do mundo, a Coreia do Norte relembra nesta sexta-feira (17/12) os dez anos da morte de seu então governante, Kim Jong-il. Ao mesmo tempo em que vangloria o regime e o ex-comandante com reverências artísticas e midiáticas, Pyongyang enaltece também seu atual líder, Kim Jong-un, filho e herdeiro de Kim-Jong-il.
Aos 37 anos, Kim Jong-un completa uma década no comando do país asiático, e as comemorações têm apelos nacionalistas por maior lealdade pública ao regime. O foco do ditador, no entanto, pode estar ainda mais voltado para a necessidade de tirar o país das dificuldades econômicas enfrentadas principalmente devido à pandemia de covid-19.
Para a especialista em segurança do Centro para uma Nova Segurança Americana (CNAS, na sigla em inglês) Duyeon Kim, não há dúvidas de que o maior desafio de Kim seja em relação à economia.
"A recuperação e a modernização econômica será o maior desafio no futuro, mas ele provavelmente encontrará maneiras de promover escudos políticos para quaisquer deficiências e, assim, imputar um maior senso de responsabilidade e patriotismo no povo para que trabalhe com mais afinco", diz a analista.
O pai do atual ditador da Coreia do Norte teria morrido após um infarto a bordo de seu trem particular, na manhã de 17 de dezembro de 2011. O cortejo e o funeral ocorreram em uma Pyongyang coberta de neve, 11 dias mais tarde, com o atual líder, Kim Jong-un, ao lado do carro funerário.
Observadores do país asiático comentaram que havia um choque ainda evidente no rosto do herdeiro, na época com apenas 27 anos de idade. Segundo analistas, ele já estava sendo preparado para assumir o lugar do pai, mas não se previa que isso ocorreria tão cedo.
A última década sob Kim Jong-un acabou surpreendendo muitos especialistas que acreditavam que o rapaz era jovem e inexperiente demais para liderar uma nação cheia de desafios como a Coreia do Norte.
Menos de dois anos após assumir o poder, Kim ordenou a execução de seu tio, Jang Song Thaek, antigo homem de confiança e cunhado de Kim Jong-il. Supõe-se também que o líder norte-coreano seja um dos responsáveis pelo plano que levou ao assassinato de seu meio-irmão, Kim Jong-nam, no aeroporto de Kuala Lumpur em fevereiro de 2017.
No campo diplomático, Kim surpreendeu ao se reunir com o então presidente americano Donald Trump em 2018. Foi a primeira vez que líderes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte se encontraram.
Também em 2018, Kim tornou-se o primeiro líder norte-coreano a cruzar a fronteira e encontrar-se com o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, desde o início da Guerra da Coreia – as hostilidades militares duraram entre 1950 e 1953, mas o conflito nunca acabou de forma oficial. Nesta semana, o presidente sul-coreano disse que Estados Unidos, China e Coreia do Norte fecharam um acordo de princípios para declarar formalmente o fim da guerra, a fim de substituir o armistício de 1953.
Kim ainda conseguiu evitar o mesmo caminho que outras ditaduras tomaram nos últimos anos: dissidência interna, revoluções e queda violenta, em grande parte devido ao controle e à vigilância de todos os aspectos da vida cotidiana.
Na mídia local, o atual comandante é descrito como "o grande líder", título anteriormente reservado para seu avô, Kim Il-sung, fundador da Coreia do Norte e que comandou o país entre 1948 e 1994.
Uma combinação do aparato do regime, segundo Duyeon Kim, é o responsável direto pela manutenção do poder de Kim Jong-un na Coreia do Norte.
Segundo a especialista, a receita é uma mistura entre "manter felizes as elites que ajudam a sustentar um sistema de liderança da família Kim, e empregar práticas brutais de lealdade forçada, eliminando ameaças através de exclusões e punições de funcionários que trabalham para ele".
De acordo com Leif-Eric Easley, professor-adjunto de estudos internacionais da Universidade de Mulheres Ewha, em Seul, o regime da família Kim tem se mantido no poder durante décadas "menosprezando a Coreia do Sul, demonizando os Estados Unidos e fazendo propaganda da autoconfiança nacional".
Ao mesmo tempo, Easley lembra que "os encontros com Trump contradisseram a teoria da ameaça americana, a Coreia do Sul está mais bem-sucedida do que nunca, e a Coreia do Norte está cada vez mais dependente da China".
Ele ainda reforça que a pouca prosperidade que o povo norte-coreano vivenciou está relacionada ao comércio internacional, e isso permitiu que mais informações entrassem no país.
"Depois que a pandemia acabar, o dilema do ditador de como buscar o crescimento econômico enquanto mantém o controle político provavelmente se intensificará para Kim", analisa Easley.
Kim Jong-un tem, de certa forma, se esforçado para se afastar da política militar como prioridade número um do país. A ideia seria focar em uma maior evolução econômica e, potencialmente, evitar a deserção da população norte-coreana.
Ao mesmo tempo, ele nunca se desligou completamente das Forças Armadas. Em vez de manter um exército convencional, Kim tem focado no desenvolvimento e na produção de armas nucleares e mísseis de longo alcance, a fim de ameaçar rivais, inclusive os Estados Unidos.
Em fevereiro de 2013, ele ordenou o terceiro teste nuclear do regime, seguido de outras três detonações em setembro de 2017. Uma delas, a Coreia do Norte classificou como sua primeira bomba de hidrogênio. Atualmente, analistas creem que o país tenha entre 15 e 60 ogivas nucleares à disposição.
Ainda assim, à parte o poderio bélico e a sustentação ditatorial por meio da violência e do controle da população, o maior desafio de Kim Jong-un deve ser mesmo a economia na era pós-pandemia.
"Mesmo que Pyongyang opte por se isolar até que a pandemia diminua, a Coreia do Norte já provou ser resistente, tendo sobrevivido à fome nos anos 90. E a China deverá ajudar a manter o país. Se ele manter-se saudável, acho que veremos Kim Jong-un reinar por mais algumas décadas", conclui Duyeon Kim.