O Chile realiza neste domingo (21/11) as suas eleições mais polarizadas e indefinidas deste século, num contexto de crise social e política e de um processo constituinte que pretende enterrar os últimos resquícios da ditadura militar de Augusto Pinochet.
O pleito também ocorre num cenário de inflação galopante, um sistema previdenciário descapitalizado e desigualdade acentuada pela pandemia de covid-19. Esses devem ser os principais desafios para o próximo presidente do Chile. O país ainda está há dois anos mergulhado na mais grave crise das últimas três décadas, quando em outubro de 2019 eclodiram os mais maiores protestos populares desde a ditadura.
Esta também é a primeira vez em 16 anos que nem Sebastián Piñera nem Michelle Bachelet são candidatos a presidente do Chile.
Nas eleições estão aptos a votar 15 milhões de chilenos. Além do presidente, eles vão eleger deputados e senadores para o Congresso nacional.
Os candidatos
Os sete candidatos que competem para suceder Piñera representam um espectro político amplo.
Entre eles estão:
José Antonio Kast (extrema direita)
O candidato de 55 anos que disputa pelo Partido Republicano é um defensor da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Gabriel Boric (esquerda)
Com 35 anos, o candidato da aliança de esquerda Apruebo Dignidad propõe um modelo baseado no estado de bem-estar europeu no Chile.
Sebástian Sichel (centro direita)
O candidato governista de 44 anos representa os direitistas do Chile Podemos Mai, anteriormente conhecido como Aliança pelo Chile, grupo que perdeu força com a decadência do governo de Sebastián Piñera.
Yasna Provoste (centro)
Candidata do Novo Pacto Social, nova designação da tradicional Concertação, a senadora tem 51 anos.
Franco Parisi (direita)
Com 54 anos, o candidato do Partido do Povo se destacou por não pisar no Chile durante a campanha. Parisi mora nos EUA e fez sua campanha remotamente. Especula-se que ele tomou essa decisão por causa de uma ação judicial que enfrenta no Chile por não pagamento de pensão alimentícia de dois filhos.
Segundo turno
As sondagens preveem que nenhum dos candidatos vencerá o primeiro turno. Nesta reta final, os dois candidatos com mais probabilidade de passar para o segundo turno, marcado para 19 de dezembro, são Gabriel Boric, da esquerda, e José Antonio Kast, de extrema-direita.
Pesquisas apontam que Kast pode conseguir mais de 20% dos votos no primeiro turno. Em menos de dois meses, Kast, que apontou num forte discurso nacionalista anti-imigração, tornou-se o primeiro colocado em algumas pesquisas, numa repetição de processos que ocorreram no Brasil e Estados Unidos, que também viram candidatos de extrema direita ascenderem em momentos de desgaste da política tradicional.
Na campanha de 2017, quando foi candidato independente e recebeu quase 8% dos votos, Kast chegou ao ponto de dizer que, se Pinochet estivesse vivo, o general teria votado nele.
Já o esquerdista Gabriel Boric, candidato da aliança de esquerda, tem defendido um modelo de Estado semelhante ao de bem-estar social de alguns países europeus e a a criação de uma aposentadoria mínima de 250 mil pesos (cerca de R$ 1,7 mil). Nas pesquisas, Boric aparece com cerca até 19% das intenções de voto.
Crise
Apesar de encarado como um dos países mais estáveis da América Latina, o Chile era, segundo alguns especialistas, uma verdadeira "panela de pressão": a desigualdade e a impunidade da elite empresarial e política envolvida em múltiplos casos de corrupção e abusos geraram um mal-estar que culminou nos protestos de outubro de 2019.
A gota d'água para os protestos foi o aumento do custo do transporte público. Pelo menos 30 pessoas morreram nos protestos, centenas de pessoas perderam a visão (os chamados "mutilados oculares") após serem atingidas por balas de borracha nos olhos por policiais e militares que reprimiram os protestos;
A solução institucional proposta pelos partidos políticos, fazendo eco das principais exigências dos manifestantes, foi convocar uma Constituinte, organismo encarregado de elaborar uma nova Constituição, que substituirá a vigente, herdada da ditadura de Pinochet.
A Assembleia Constituinte, que iniciou seus trabalhos em 4 de julho, é composta por 155 delegados - na maioria, cidadãos progressistas -, entre os quais se incluem, pela primeira vez na história do país, 17 representantes dos dez povos indígenas.