Lucia, Hilda, Nelison, Ney. Nomes de personagens reais. De carne, osso e um legado de pés no chão herdado dos seus ancestrais. Com os sistemas agroflorestais implantados em suas terras, na zona rural de Juruti (PA), às margens do rio Amazonas, os agricultores sentem as suas vidas transformadas. Com o conhecimento deste modelo de agricultura regenerativa, os produtores vivem uma nova realidade, com geração de renda e alimento às suas famílias e comunidades.
O sistema agroflorestal que diversifica a produção e, ao mesmo tempo, restaura a Amazônia, foi implantado nas terras desses agricultores, há quase um ano, pela PRETATERRA, uma iniciativa brasileira que se dedica à disseminação de sistemas agroflorestais regenerativos pelo mundo, em parceria com a WRI Brasil (World Resources Institute).
De lá para cá, os produtores viram, na prática, a possibilidade de trabalhar com o plantio simultâneo de várias culturas na mesma área. A proposta tem ajudado os agricultores na restauração das suas florestas, aliando o uso da terra à produção e à preservação. Nas áreas de difícil acesso, o resultado foi capturado em imagens por drone, de acordo com a explicação do engenheiro florestal e um dos fundadores da PRETATERRA, Valter Ziantoni.
Além do desfecho visível nas imagens registradas, os frutos da iniciativa são expressos na fala dos agricultores. “Somos muito gratos ao projeto. Temos muita vontade, mas não temos, de fato, muitos conhecimentos. Hoje, aprendi que é possível plantar diversas espécies em uma mesma área”, explica Hilda ao lado de seu companheiro Nelison que a ajuda com a lida na terra. O casal diversificou a plantação e pensa em expandir a área do açaizeiro. “Laranja, acerola e graviola também são parte da expansão para vendermos para a merenda escolar e para o nosso próprio sustento”, comenta Hilda.
Moradora da mesma região, dona Lúcia é conhecida por ser uma agricultora muito cuidadosa com a área que ela mesma plantou. “Ela conduziu o plantio com muito capricho e, realmente, percebemos de forma muito positiva o estabelecimento das mudas”, comenta a engenheira florestal e uma das fundadoras da PRETATERRA, Paula Costa. “O meu conhecimento foi passado pelos meus pais, pelos meus avós e agora estou expandindo com esse novo modelo de produção”, reflete dona Lúcia. Mesmo com a seca no último verão, por exemplo, a agricultora plantou cupuaçu, além de bananas, urucum, feijão, açaí e ingá.
No sistema agroflorestal, desenvolvido por esse projeto, os agricultores e sua cultura são respeitados e eles podem continuar o tradicional plantio de mandioca de 1 m x 1 m, por exemplo, mas devem evitar a queimada total para preparação da área, a técnica conhecida como coivara, comum na região. No design agroflorestal são inseridas espécies arbóreas nativas de ciclo longo, espaçadas em 10 metros. Entre essas árvores são incluídas espécies frutíferas e agrícolas. Na agrofloresta do Ney, outro agricultor beneficiado pelo projeto, por exemplo, é a terceira colheita de melancia nas entrelinhas, enquanto as mudas de árvores nativas se desenvolvem. Ele também já colheu milho nessa área, aproveitando a luz abundante disponível antes que as árvores fiquem adultas.
Neste modelo produtivo, que pode ser adaptado para qualquer bioma, são cultivadas, na mesma área, espécies com diferentes ciclos produtivos para que o sistema gere renda a curto, médio e longo prazos. Assim, é possível alternar espécies arbóreas nativas de grande porte, fundamentais para a captura de carbono e a preservação da biodiversidade, com árvores frutíferas de alto valor agregado e cultivos agrícolas como mandioca, milho e feijão.
Em um cenário de transição climática e riscos ambientais, a agrofloresta apresenta-se como a principal resposta para a conservação do bioma amazônico e a integração socioeconômica das famílias que ali habitam.
Projeto agroflorestal
Em 2018 nasceu o projeto de vida que está mudando a relação das pessoas de Juruti (PA) com a terra: a agrofloresta.
A agrofloresta é um sistema de produção inspirado na dinâmica dos ecossistemas naturais, nos quais espécies florestais perenes são plantadas junto com cultivos agrícolas e criações de animais. É um sistema produtivo que concilia a produção de alimentos com a recuperação de áreas degradadas, promovendo benefícios econômicos e ecológicos.
Foram alguns meses de diagnóstico, realizado pela PRETATERRA com apoio do WRI Brasil, para identificar estas famílias engajadas e dispostas a investir no novo modelo produtivo. Após a definição dos grupos, começou o planejamento do design de cada sistema. A proposta foi trabalhar com módulos, replicáveis e elásticos, que permitem ajustes e substituições de espécies ou plantios ao longo do processo de acordo com as necessidade e aspirações de cada agricultor.
Com o novo modelo produtivo, os agricultores da região diversificaram e aumentaram as fontes de renda a médio e longo prazos. Tudo isso a partir de um sistema livre de desmatamento e degradação, em uma região que carece de dinamismo econômico sustentável.