Os Estados Unidos (EUA) temem que o líder da oposição ruandesa Paul Rusesabagina, antigo gerente que inspirou o filme “Hotel Ruanda” e condenado segunda-feira (21) a 25 anos de prisão por terrorismo, não tenha tido um “julgamento justo”.
“Os EUA estão preocupados com a condenação de Rusesabagina”, que tem autorização de residência permanente nos EUA, disse o porta-voz da diplomacia norte-americana, Ned Price, citado em comunicado.
Price acrescentou que “a falta de garantias para um julgamento justo coloca em causa a equidade da sentença”. A Bélgica considerou que o gestor que inspirou “Hotel Ruanda” não teve um julgamento justo.
O antigo gerente do hotel Thousand Hills, que alojou mais de mil tutsis e hutus moderados para os salvar dos hutus extremistas, durante o genocídio de 1994, foi julgado pelo seu apoio à Frente de Libertação Nacional, a ala armada do seu partido, o Movimento Ruandês para a Mudança Democrática.
Durante várias horas, os juízes revezaram-se para apresentar as ligações entre Paul Rusesabagina e os outros réus – 20 membros da Frente de Libertação Nacional (FLN) – bem como as ligações que alegadamente tinha com grupos rebeldes, particularmente no leste da República Democrática do Congo.
O tribunal declarou o réu de 67 anos culpado de formar e financiar um grupo terrorista. A FLN é acusada de levar a cabo ataques no Ruanda em 2018 e 2019, que levaram à morte de nove pessoas.
Para Carine Kanimba, o julgamento do pai é uma peça de teatro. “O meu pai foi detido ilegalmente antes da sentença e continua detido ilegalmente. Nós continuamos a lutar pela sua libertação. Ele continua a não ter acesso à sua equipa de advogados internacional. O meu pai é um preso político, é preciso uma solução política para este problema”, disse a filha de Rusesabagina.
O antigo gestor tornou-se um adversário altamente crítico do Presidente Paul Kagame, e vivia no exílio entre a Bélgica e os Estados Unidos, onde criou uma fundação para promover a reconciliação a fim de evitar mais genocídios.
Deixou de comparecer no tribunal em março por achar que não iria receber um julgamento justo, depois de ter sido preso em agosto de 2020, no aeroporto internacional de Kigali, numa detenção que a sua família e advogados descreveram como um “rapto”.
O advogado belga de Paul Rusesabagina, Vincent Lurquin, também defende uma solução política para o caso. Para o defensor, o julgamento foi “escrito com antecedência” – não mencionou o “sequestro” e a “tortura” a Rusesabagina nem o facto de que não foi permitido ao réu escolher os seus advogados.
“Temos um julgamento que me parece sobretudo formal, mais político do que judicial. Não digo que o processo seja vazio, não pedimos que seja ilibado, apenas que seja julgado de acordo com as regras normais do direito judicial, o que não foi o caso”, disse Lurquin.
O processo levanta igualmente a questão da oposição ao poder ruandês. Para o analista alemão Gerd Hankel – que recorda um vídeo de 2018 em que Rusesabagina declara o seu apoio ao grupo rebelde – o caso abala as hipóteses de uma oposição forte e legítima ao Presidente Paul Kagame.
Hankel acha que Kagame vingou-se, mas admite que Rusesabagina cometeu um erro ao fazer o comentário no vídeo e ao justificar os ataques da FLN, o que teria facilitado a suposta perseguição política. “Ao fazê-lo, Paul Rusesabagina, na minha opinião, e eu lamento muito, deslegitimou a oposição necessária ao regime de Kigali”, diz o analista.
No início de setembro, o Presidente ruandês rejeitou as críticas ao julgamento de Rusesabagina. Kagame e salientou que o opositor seria “julgado da forma mais justa possível”.