Grande produtor de açúcar e de café em séculos passados, o Haiti chegou a ser conhecido como "pérola das antilhas", por se tratar de uma das colônias tidas como mais prósperas do mundo. Antiga posse francesa, o pequeno país teve uma revolução bem sucedida feita por escravos. No entanto, isso fechou portas para a modernidade. Até hoje.
As dificuldades para manter o básico para a sobrevivência de um país atingem o Haiti desde que se tornou um país independente. Sem saneamento básico, a cólera, por exemplo, ainda não foi dizimada em alguns distritos. A recomendação para estrangeiros é a de consumir água apenas engarrafada, porque as disponibilizadas para os moradores pode estar contaminada.
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Na área rural de Nippes, no sudoeste da ilha, um dos distritos atingidos pelo terremoto de 14 de agosto que matou mais de 2,2 mil pessoas, poços artesianos são a principal fonte de água. Mas muito deles, oxidados, têm apenas água salgada, que não servem para nada além de cozinhar alimentos salgados -nem para lavar nada eles servem, porque o reagente suja o que toca.
Mesmo assim, a fila para pegar um pouco de água, em baldes brancos e amarelos -também sujos- é grande, formada por mulheres e por crianças. Sob forte sol, elas empurram o aparelho de ferro para baixo, de um lado, enquanto a água sai pelo outro. As únicas que têm coragem de beber essa água são as galinhas criadas por algumas das famílias locais.
Em Les Cayes, a terceira maior cidade do país, muitas das famílias que perderam as casas onde viviam no terremoto de agosto, agora, dormem em algumas barracas improvisadas dentro do estádio de futebol da cidade. A água que abastece cerca de 2.000 pessoas ali é fruto de uma bica instada no muro do estádio com cano apontado para uma fossa, do lado de fora.
Nessa fossa, muito lixo está acumulado, com odor forte. Uma cadeira foi colocada dentro do fosso, a cerca de um metro de distância do cano que jorra a água, para impedir que o lixo fique abaixo da bica. A medida não impede, porém, a contaminação. No fosso, a cor da água é marrom. Ali, mulheres e crianças se dividem para guardar água nos baldes para consumo próprio.
Crianças disputam doações de água, biscoitos e doces após terremoto no Haiti
Enquanto algumas crianças bebem a água da bica do estádio, algumas mulheres lavam pratos e panelas com a mesma água. Dentro das barracas, não se vê outro tipo de água consumida. Os sobreviventes do terremoto afirmam que, passado mais de duas semanas, não chegou nenhuma ajuda humanitária. Por isso, consomem e se viram com o que têm. É só isso o que chega até eles.
Na saída do distrito de Les Cayes, no sentido ao distrito de Jérémie, que também foi atingido pelo terremoto, a nova rodovia, que nem chegou a ser inaugurada, está inteira rachada. Pelo caminho, dos dois lados, a cena da destruição se faz presente. Casas, escolas, igrejas e até uma agência funerária estão sob escombros.
Em determinado trecho, chama a atenção o desespero de algumas pessoas em torno de um poço. A quem chega, um morador afirma: "A água está acabando!". E estava mesmo. Ali, uma solução paliativa foi implantada pela Unicef: Um bolsão de água foi colocado em um terreno, um pouco acima do poço, com capacidade para 10.000 litros de água. Por meio de um caminhão-pipa, o bolsão é enchido, mas sem periodicidade.
A partir do bolsão, a água é chega ao poço através de uma mangueira. De lá, mais mulheres e crianças se dividem para guardar água. Enquanto isso, homens, juntos, observam o desespero sem se mexer. A cerca de 10 quilômetros dali, uma comunidade com mais de 100 famílias de agricultores vive, desde o terremoto de agosto, com águas obtidas de maneira exclusiva por meio de doações.
Com mortos no rio que a comunidade costumava usar para sobreviver, a população ficou refém da bondade humana. Os moradores locais reclamam que muitas doações chegam ao Haiti, mas que o governo tem retido o que para em Porto Príncipe. No sudoeste do país, atingido pelo tremor de terra, são poucos os itens que têm chegado. E, quando chegam, vigora a lei do mais forte: Contra a miséria, as pessoas brigam entre si por qualquer doação.
Na região sudoeste, há muitos rios secos e sujos. A vizinha de um desses rios, chamado L'asile, conta que, há anos, ele está morto. Quando chove, há um terremoto ou pequenos tremores de terra, que são constantes no país, o que costuma passar pelo rio são apenas entulhos. A única vida local é formada por cabritos que se alimentam de restos comestíveis encontrados em meio ao lixo.
Já em uma comunidade de Jérémie, moradores locais encontraram um manancial por conta própria, no topo de uma montanha. Eles desviaram a água por meio de fossos e de canos para sua comunidade. Sem ajuda do governo, foi a maneira que encontraram para ter o mínimo: Água para viver.
Essas e outras histórias sobre o Haiti, após o terremoto que atingiu o país em 14 de agosto, serão publicadas em reportagem exclusiva no Domingo Espetacular deste domingo (5).