A Fundação Cultural Palmares (FCP) se tornou instrumento para apagar a memória da população negra e patrocinar o racismo estrutural no país. A denúncia foi feita pelo senador Paulo Paim (PT-RS) a debatedores que participaram de audiência pública nesta quinta-feira (2), na Comissão de Direitos Humanos (CDH), que discutiu a importância da instituição. Eles também criticaram a postura do presidente da instituição, Sérgio Camargo, que, na avaliação dos participantes, tem atuado para a desconstrução das políticas públicas para promoção da igualdade racial. A instituição completou 33 anos no dia 22 de agosto.
Paim ressaltou que a instituição foi criada no âmbito da redemocratização do país, com o objetivo de promover uma política cultural igualitária e inclusiva, que, ao longo dos anos, contribuiu para a valorização da história e das manifestações culturais e artísticas negras brasileiras como patrimônios nacionais. No entanto, lamentou o senador, está sendo usada para ruptura dessas conquistas e repercutir censuras e preconceitos contra os negros do país.
— Ele (Sérgio Camargo) praticamente tirou todas as referências do movimento negro do passado, presente e, se deixar, ele retira até do futuro já. Frases racistas são proferidas quase que diariamente. Infelizmente o espaço da Fundação Palmares tem sido usado para isso, nos dias de hoje, principalmente pelo seu presidente. Disse ele: “A escravidão foi terrível, mas benéfica para seus descendentes. Negros no Brasil vivem melhor do que os negros da África”. É lamentável. Eu não vou nem ler outras frases que estão aqui.
Paim aproveitou a ocasião para homenagear o cantor e compositor Martinho da Vila, que também participou da audiência pública. O sambista se tornou alvo do presidente da FCP após o artista classificar Camargo como “bolsonarista radical” e criticar sua postura à frente da instituição. "Ele é um preto de alma branca, como se diz", teria dito Martinho da Vila durante entrevista ao programa Roda Vida, da TV Cultura. Sérgio Camargo ameaçou processar o cantor após a fala.
— A instituição, por ordem do seu presidente retira da sua lista personalidades, nomes, como por exemplo, da escritora Conceição Evaristo, da cantora Elza Soares, do ex-pugilista Servílio de Oliveira. Censura obras escritas por Aldo Rebelo, por exemplo, Caio Prado Junior, Celso Furtado, Karl Marx, Marilena Chaui e tantos outros. Entre os que ele excluiu por obra e arbítrio seu está nosso querido Martinho da Vila. E eu sou teu parceiro, Martinho. E ele cometeu esse desatino — completou Paim.
Na avaliação de Martinho da Vila, Sérgio Camargo tem cumprindo bem a função concedida pelo atual governo que é de “acabar com a fundação”. Para ele, mesmo com as investidas contra a igualdade racial, o cantor defendeu a união das representatividades para o fortalecimento e manutenção dos objetivos primordiais da FCP.
— Um dos sonhos que eu tenho é que um dia, no Brasil, não haja necessidade de movimento negro. Que o racismo não precise de movimento negro. E que não precise de uma sessão como esta. Tudo isso aqui ainda é muito necessário — disse Martinho.
Para a ex-diplomata e ex-presidente da FCP Dulce Pereira a fundação deixou de exercer sua função básica de proteção da população negra, com o racismo sendo operado de dentro do próprio governo. Na sua visão, esse tipo de atuação tem ajudado a enfraquecer o sistema democrático no país.
— Essa ideologia do racismo imobiliza a democracia. Não há democracia com o racismo estrutural sendo operado dentro do estado. Isso não é estado democrático. Não é um Estado que assegura direito a todos. Então essa história dual da Fundação Cultural Palmares atenta contra o Estado democrático de direito.
Já o mestre em cultura e sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e também ex-presidente da FCP Zulu Araújo disse que é preciso união de todos os setores democráticos e progressistas da sociedade para sair em defesa e alcançar verdadeiramente a reconstrução administrativa da fundação.
— Primeiro, no sentido de ela ser dotada de orçamento suficiente para funcionar a contento. Porque é importante dizer também que a Fundação Palmares nunca teve um orçamento digno da proporção que ela possui. Segundo, reconstruir a fundação do ponto de vista dos recursos humanos. É preciso que a fundação tenha trabalhadores no quantitativo e na qualidade que ela precisa realizar e cumprir a sua missão. É necessário que a questão racial não seja enjaulada, circunscrita exclusivamente à Fundação Palmares e à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial.
A mesma defesa fez o ex-ministro da Igualdade Racial no governo do ex-presidente Lula e também ex-presidente da FCP Eloi Ferreira Araújo.
— Precisamos unir todas as forças para a gente fazer essa travessia e reconstruir. Teremos que renascer das cinzas. Teremos que reconstruir todos os equipamentos. Reconstruir toda a história e quem sabe a gente reiniciar esse grande combate contra o racismo.
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