A presença de Filipe Nyusi no tribunal que julga o processo das dívidas ocultas foi referida durante um seminário na Internet sobre o caso, realizado hoje (01) pelo Centro de Integridade Pública (CIP), organização da sociedade civil moçambicana.
“Precisamos de ouvir o Presidente da República, ele pode ir falar como declarante”, disse Borges Nhamire, investigador do CIP.
Nhamire afirmou que o chefe de Estado não pode permitir que continuem a pairar dúvidas em relação à sua integridade, porque é o mais alto magistrado da nação.
“O povo é o seu patrão”, resumiu, parafraseando uma frase que Filipe Nyusi pronunciou no discurso de posse do seu primeiro mandato como Presidente da República, em 2015.
Baltazar Faela, jurista e investigador do CIP, considerou que há um esforço de proteger Filipe Nyusi de depor perante a justiça em relação ao seu papel na aprovação do projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE) usado como pretexto para a contração das dívidas ocultas.
“As suspeitas devem ser investigadas, porque há dúvidas que estão a esvoaçar por aí”, declarou Faela.
Aquele jurista observou que não há até agora evidências de que o atual chefe de Estado recebeu subornos, mas há indícios de movimentação de dinheiro para a sua campanha presidencial em 2014 e do seu partido, Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).
Denise Namburete, diretora da Nweti, ONG moçambicana, também defendeu uma investigação mais ampla para o apuramento do destino dado aos 2,2 mil milhões de dólares (cerca de dois mil milhões de euros) das dívidas ocultas, agora atualizados para 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) pelo Ministério Público moçambicano.
“Há muito mais dinheiro que desapareceu e isso também tem de ser apurado”, declarou Denise Namburete.
Fernando Lima, presidente da Mediacoop, primeiro grupo de media privado de Moçambique, também defendeu que o “mistério” em torno do caso das dívidas ocultas deve ser esclarecido em toda a sua extensão.
“Como ministro da Defesa, não há dúvidas que Filipe Nyusi teve um papel em todo o projeto de proteção costeira, mas conhecendo o nosso sistema de governação, não é ele que podia decidir sobre um projeto de 2,2 mil milhões de dólares”, declarou.
Lima observou que decisões com o alcance como o da proteção costeira e respetivo custo caem na alçada do Governo, cujo chefe é também Presidente da República, que à data era Armando Guebuza.
O jornalista avançou que o julgamento em curso mostra um esforço dos arguidos até agora ouvidos de envolver o atual chefe de Estado moçambicano na conceção do projeto de proteção da ZEE, que justificou a contração das dívidas ocultas.
Ao contrário, prosseguiu, o juiz da causa e o Ministério Público têm evitado alusões a Filipe Nyusi.
Na terça-feira, Ndambi Guebuza, filho mais velho de Armando Guebuza, disse em tribunal que Filipe Nyusi é a pessoa certa para falar sobre o projeto de proteção costeira que está na origem “das dívidas ocultas”.
“Quem fazia parte do comando conjunto era o ministro da Defesa [de então, Filipe Nyusi], a pergunta tem que ser feita ao ex-ministro da Defesa”, declarou Armando Ndambi Guebuza.
O filho mais velho do ex-chefe de Estado respondia a uma pergunta sobre o seu envolvimento no projeto de proteção da ZEE, iniciativa cuja necessidade de financiamento deu origem à contração das dívidas ocultas.
A alusão a Filipe Nyusi no julgamento do processo das dívidas ocultas já tinha sido feita pelos dois arguidos ouvidos na semana passada.
Cipriano Mutota, antigo diretor de Estudos e Projetos do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), a “secreta moçambicana”, e Teófilo Nhangumele, um “consultor independente” que participou na conceção do projeto de proteção da ZEE, disseram em tribunal que Filipe Nyusi concordou com a implementação da referida iniciativa, na qualidade de ministro da Defesa.
Nas alegações que leu há nove dias, o Ministério Público acusou os 19 arguidos das dívidas ocultas de se terem associado em “quadrilha” para delapidarem o Estado moçambicano e deixar o país “numa situação económica difícil”.
A conduta dos 19 arguidos, prosseguiu, delapidou o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) – valor apontado pelo Ministério Público e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso – angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.