Após as ausências do motoboy Ivanildo Gonçalves e da diretora-executiva da VTCLog, Andréia Lima, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia vai se dedicar a aprofundar as investigações sobre a empresa, selecionada pelo Ministério da Saúde para cuidar da armazenagem e distribuição de medicamentos. O anúncio foi feito pelo presidente, Omar Aziz (PSD-AM), na reunião desta terça-feira (31), quando foi aprovada a reconvocação do motoboy e a transferência de sigilos fiscal, telemático e bancário da VTCLog.
— Agora, a CPI irá focar no depoimento de todas as pessoas da VTCLog – todas, sem exceção. Nós iremos a fundo na VTCLog até a CPI concluir essa questão — disse Omar Aziz.
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou que a VTCLog movimentou de forma suspeita R$ 117 milhões nos últimos dois anos. Ivanildo, que é motoboy a serviço da VTCLog, teria feito saques suspeitos que somam o montante de R$ 4,7 milhões. Ele estava convocado para oitiva nesta terça-feira, mas não compareceu, após decisão liminar do ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), que desobrigou-o de participar da reunião. Senadores consideraram que a posição contraria decisões anteriores do STF.
Mesmo com a aprovação do requerimento do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) de nova convocação de Ivanildo, a CPI vai recorrer. Para o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), o depoimento de Ivanildo é fundamental no trabalho de investigação da comissão parlamentar de inquérito. Ele criticou a liminar do ministro Kássio Nunes Marques.
— Com a decisão de ontem do ministro Kássio Nunes, foi um retrocesso com relação à jurisprudência adotada pelo Supremo Tribunal Federal. O ministro, com todo o respeito, alegou que não havia pertinência temática. Como não?! Em 2020 e em 2021, um motoboy sacou, do dinheiro da saúde, do dinheiro sagrado do povo brasileiro — criticou.
Renan disse durante a reunião que novas informações apontam que Ivanildo pagava boletos do ex-diretor do Departamento de Logística (Delog) do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias. As imagens de onde foram feitos os pagamentos foram requeridas pela CPI e exibidas durante a reunião.
— Se isso não for prova suficiente para que o ministro reconsidere sua decisão, nada mais é — disse Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI.
Renan Calheiros reforçou que não recai sobre Ivanildo qualquer responsabilidade por crime. Senadores também aguardam resposta da Polícia Federal sobre pedido de proteção policial para o motoboy.
— Ele não cometeu crime. Ele cumpriu uma ordem — ressaltou Renan.
Otto Alencar (PSD-BA) afirmou que há informações de que Ivanildo distribuía dinheiro em Brasília, “o que irá comprometer pessoas em todas as áreas”.
Randolfe Rodrigues sustentou que tornou-se “indispensável” ouvir outros nomes ligados à VTCLog. Segundo ele, também causou espantou o fato de o motoboy, que recebe cerca de R$ 2 mil, ter sido defendido por uma banca de advogados considerada "cara". De acordo com os senadores, o advogado Alan Diniz Moreira Guedes de Ornelas teria trabalhado na defesa de Fabrício Queiroz e de Adriano da Nóbrega, miliciano morto.
Senadores também lamentaram a ausência de Andréia Lima. A diretora-presidente disse estar “à disposição para contribuir com os trabalhos da CPI", mas apontou que não poderia comparecer nesta terça "devido à agenda prévia de viagem relacionada à logística de distribuição das vacinas”.
— Se Andréia quisesse mesmo comparecer, ela teria vindo de São Paulo para Brasília. Amanhã não vou me surpreender se ela também entrar na Justiça para não vir aqui falar — disse Omar.
O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), classificou como “politização” o eventual indiciamento de servidores do Ministério da Saúde por corrupção passiva no relatório final da CPI. Para o parlamentar, o suposto pedido de propina feito pelo então diretor de Logística da pasta Roberto Ferreira Dias para a compra da vacina AstraZeneca não pode ser caracterizado como crime.
— Isso não passa de clara tentativa da oposição de tentar desmerecer os esforços do governo federal. Essa narrativa sequer pode ser considerada crime, porque Roberto Ferreira Dias não detinha qualquer legitimidade ou autoridade para aprovar a compra de vacinas. Independente do que tenha sido falado nessa reunião, não há qualquer indício de crime — disse o senador.
Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC) defenderam a apuração da CPI, mas reforçaram que pessoas só devem ser investigadas quando “existirem evidências”.
— Se há suspeita, tem que apurar, tem que investigar, tem que buscar as provas, as evidências. Quem acusa primeiro para investigar depois já começa errado. Eu duvido que se houver algum elemento de conexão com relação a esse depoente, que o próprio ministro não tenha a possibilidade de fazer a análise e reconsiderar a sua própria decisão — apontou Marcos Rogério.
Simone Tebet (MDB-MS) disse estar em um deja vu, ao esperar pelo depoimento motoboy Ivanildo Gonçalves à CPI. Ela lembrou que, em 1992, o motorista Eriberto França confirmou a distribuição de recursos públicos para contas privadas dos investigados na CPI do PC Farias.
— Eu tenho certeza de que Ivanildo estava pronto para dizer a verdade — expôs a senadora, ao lembrar também do depoimento do consultor do Ministério da Saúde William Amorim Santana, técnico da Divisão de Importação, que "não se acovardou" e apontou que fez três alertas sobre erros na invoice (fatura para negociação internacional) para aquisição da vacina indiana Covaxin.
A CPI também aprovou a convocação da advogada do presidente Jair Bolsonaro, Karina Kufa. Senadores apontam que ela foi a responsável por organizar um jantar em sua residência onde o lobista Marconny Albernaz de Faria foi apresentado a José Ricardo Santana, ex-secretário-executivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o comando da CPI, os dois teriam atuado como lobistas da empresa Precisa.
“O depoimento da advogada Karina Kufa é de extrema importância para os trabalhos desta CPI, uma vez que pode esclarecer sua participação e de outros personagens do seu círculo de amizades nas negociações envolvendo contratos com o Ministério da Saúde, razão pela qual peço a aprovação do presente requerimento”, apontou o requerente, senador Randolfe Rodrigues.
— Estamos convocando não por ser advogada, mas pelo notórios diálogos que ela tem com vários lobistas — afirmou Randolfe.
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