Em meio a montanhas, plantações secas e estradas de pedras, o distrito de Nippes, epicentro do terremoto que matou mais de 2,2 mil pessoas no dia 14 de agosto deste ano, está completamente isolado dentro da ilha. Não há caminhos abertos e seguros para chegar às áreas mais afetadas de carro. Consequentemente, a ajuda humanitária, que poderia sair da capital, Porto Príncipe, com destino à cidade, não encontra trajetos.
O distrito é grande. Nele, habitam cerca de 340 mil pessoas. Mas não foi lá que a maioria das vítimas fatais foram encontradas. Isso porque, pelo fato de se tratar de uma área rural, as moradias ficam bastante separadas, não gerando um efeito dominó de casas. No entanto, todos os moradores foram afetados de alguma maneira. As residências que não desabaram ou tombaram ou ficaram com fissuras que comprometeram suas estabilidades.
É a situação de Cima Gladys. A dona de casa, de 57 anos, tem sobrevivido em sua casa, em Petit Trou de Nippes, mesmo com a residência tombada. A pequena casa, feita com materiais precários, tem as paredes inclinadas e entulho acumulado. Mesmo assim, ela não pretende sair dali. "Não tenho para onde ir. Esta é minha casa. Aqui que vou ficar", afirmou.
No local, ela vive com o marido e um de seus filhos. A pretensão dela é de, num futuro próximo, derrubar a casa por completo para, rapidamente, erguer uma nova casa no mesmo terreno. No entanto, ela decidiu não reconstruir com urgência porque, desde a tragédia do dia 14, todos os dias ela relata sentir novos tremores -com intensidade menor.
Gladys, sua família e seus vizinhos permanecem, desde que a tragédia atingiu o Sudoeste do Haiti, sem ajuda de ninguém. A água da região, que costuma ser pega em um fosso, é salgada e só serve para cozinhar alimentos salgados -não para beber. Seu alimento, que antes do terremoto já era insuficiente, agora se tornou raro.
Alguns caminhões, porém, tentam levar a ajuda comunitária até onde podem. Na cidade de Saint Antonie de Padou, por exemplo, um caminhão que seguia em direção à Nippes carregava um contêiner e era escoltado por um carro de polícia. O reforço na segurança da ajuda comunitária é necessário por receio de saques.
O estudante e criador de pequenos animais Neolnand Stephane, de 17 anos, mostrou à reportagem, triste, o estado de sua cama, dentro de sua casa, que também está tombada em Nippes. Os escombros e entulhos não deixam nenhum ser humano respirar dentro do local por mais de dois minutos. Lá, ele vive com dois irmãos.
"Não sobrou nada. Para dormir, à noite, eu me deito aqui na grama, na porta de entrada de casa", disse. "A gente não consegue mais viver aqui. Eu e meus irmãos só entramos dentro da casa, momentaneamente, para buscar algumas coisas. Não dá para viver mais nela, mas não sabemos o que podemos fazer", complementou.
Perto dali, a realidade de Nativita Remis, de 55 anos, é semelhante. Agora dona de casa, ela trabalhou por anos como agricultora. Antigamente, ela cultivava banana, milho, mandioca e inhame. Mas relatou que há um tempo o terreno local parou de ser fértil. Por isso, perdeu sua fonte de renda. "Nós estamos esquecidos da sociedade, do governo, de todo mundo, estamos aqui abandonados", afirmou.
Além de Nippes, foram afetadas as regiões de Les Cayes -o terceiro maior distrito do país-, de Jérémie e de L'Asile.Ao todo, além dos mortos, há cerca de 300 pessoas ainda desaparecidas e mais de 12 mil pessoas feridas. As autoridades locais contabilizam que mais de 100 mil casas tiveram suas estruturas comprometidas.
Apesar de todo o terror vivido nos últimos dias no Sudoeste da ilha, moradores ainda encontram motivos para sorrir. No fim da tarde deste domingo (29), por exemplo, na cidade de Carfou 4, um jogo de futebol uniu a comunidade, ao lado da ponte Carouk. Enquanto o jogo de futebol acontecia entre uma equipe vermelha e outra preta, música era tocada e muitos jovens acompanhavam e torciam de perto.
Ao presenciar a chegada da reportagem no local, um haitiano que comandava a trilha sonora da partida parou a música para anunciar: "Com a presença brasileira, vou cobrar o ingresso [para o jogo] mais caro." Ninguém pagou para estar ali. Mas todos puderam sorrir, pelo menos um minuto.