A Comissão de Infraestrutura (CI) debate, na terça-feira (17), o novo Marco Legal das Ferrovias e outros temas em audiência pública interativa com a presença de Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura. A audiência é realizada em atendimento a requerimento do senador Esperidião Amin (PP-SC). O projeto — que reorganiza as regras do setor e permite novos formatos para a atração de investimentos privados para esse modal de transporte — foi listado como uma das 35 propostas legislativas prioritárias pelo Executivo, no início deste ano legislativo.
Relatado pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), o Projeto de Lei do Senado (PLS) 261/2018 prevê a adoção do sistema de licença para a exploração das ferrovias, e não mais o de concessão. O texto, que está pronto para ser votado pelo Plenário do Senado, vinha enfrentando resistência das bancadas capixaba, mineira e goiana. O relator, contudo, observa que o tema foi amplamente discutido com o governo e com os setores envolvidos, e considera que sua aprovação permitirá novos investimentos e uma maior concorrência no transporte ferroviário brasileiro.
A principal mudança proposta pelo senador José Serra (PSDB-SP), autor do projeto, é a criação do regime de autorização para o mercado ferroviário. As ferrovias, hoje de domínio público, só podem ser operadas por um parceiro privado em regimes de concessão ou permissão, via licitação, para construção e exploração de trechos. Com o novo regime, o poder público (União, estados e municípios) não precisará fazer um processo licitatório para decidir quem vai operar um trecho ferroviário. O investidor interessado pode procurar o governo com um projeto para a explorar uma nova linha férrea. A União apenas analisa e autoriza o projeto, a exemplo do que já ocorre hoje nos terminais privados dos portos.
Os contratos devem ter duração de 25 a 99 anos, podendo ser prorrogados por períodos iguais e sucessivos. A expectativa é que o investidor privado privilegie os pequenos trechos. O interessado em ter autorização para exploração econômica de novas ferrovias, ou novos pátios, pode requerer isso diretamente ao órgão regulador a qualquer tempo. O requerimento deve explicitar o percurso total e áreas adjacentes, assim como o detalhamento da configuração logística, e aspectos ambientais e urbanísticos relevantes.
Jean Paul Prates modificou e ampliou o texto original de José Serra, após promover audiências públicas, ouvir atores do setor e o próprio Ministério da Infraestrutura.
Na autorização de ferrovias urbanas, o projeto aposta na valorização imobiliária advinda do empreendimento, que pode se tornar uma importante fonte de receita para o negócio. O texto replica experiências bem-sucedidas em outros países. A ideia é que, para o investimento, sejam criadas empresas de serviços ferroviários e de desenvolvimento urbano. Os donos dos imóveis necessários para o empreendimento poderão se tornar sócios dos projetos, medida que, segundo o relator do projeto, reduz os custos de suas fases iniciais e possibilita aos proprietários ganhos advindos com a valorização imobiliária decorrente da implantação da ferrovia.
Também há a previsão de pagamento de tributo decorrente da valorização das áreas próximas às ferrovias. O texto ainda prevê, no caso das ferrovias urbanas, a possibilidade de estados e municípios permitirem a exploração de imóveis ao lado da ferrovia para diversificar a fonte de receita da operação. Por exemplo: uma área de estacionamento, de hotel ou de restaurante que ficaria acoplada à ferrovia e poderia ser usada para aumentar a receita da empresa, em vez de aumentar a tarifa do usuário.
No relatório do projeto, Jean Paul Prates destaca ainda a criação de uma agência autorreguladora para o modal ferroviário, com a missão de regular a operação e dirimir conflitos. Esta autorregulação será exercida pelos titulares das administrações ferroviárias, junto a usuários, embarcadores e a indústria, para que operadores das ferrovias definam, entre si, questões como o trânsito de cargas e passageiros — preservando para a União as tarefas de regulamentação, outorga do serviço, controle e fiscalização da atividade, inclusive com o poder punitivo, em caso de descumprimento de determinações técnicas, operacionais, ambientais, econômicas e concorrenciais.
O governo também poderá fazer um chamamento para saber se há investidores interessados em explorar trechos ferroviários que estão ociosos por mais de três anos. A intenção é reavivar ferrovias abandonadas ou subutilizadas. Elas são consideradas ociosas quando há bens reversíveis (como imóveis do governo) não explorados, ou quando metas de desempenho definidas em contrato com o regulador ferroviário são descumpridas. Havendo interessado na exploração dos trechos ferroviários ociosos, deve ser providenciada a cisão desses trechos da atual operadora ferroviária em favor da nova autorização. Isso não isenta a antiga operadora de pagar eventuais ressarcimentos, conforme o contrato de concessão ou de permissão.
Em seu relatório, Jean Paul Prates estende à outorga por concessão as inovações propostas ao modelo de autorização. Ele reduz a assimetria concorrencial entre as duas modalidades, diminuindo a carga regulatória da concessão, “pois apenas burocratizavam e retiravam a competitividade”. As regras são comuns às duas modalidades no licenciamento de trens para transporte de passageiro. A autorregulação e as receitas imobiliárias também poderão ser agregadas ao modelo de concessão.
O texto estabelece que compete à União fiscalizar e penalizar as operadoras ferroviárias quanto a questões técnicas, operacionais, ambientais, econômicas e concorrenciais. Mas também destaca que o transporte ferroviário em regime privado segue os princípios da livre concorrência, da liberdade de preços e da livre iniciativa de empreender. Como o transporte ferroviário em regime privado terá garantida a liberdade de preços, caberá aos órgãos de defesa da concorrência reprimir infrações à ordem econômica.
Já o transporte ferroviário em regime de direito público poderá ser executado diretamente por União, estados e municípios ou indiretamente, por meio de concessão ou permissão. A execução direta pela União somente ocorrerá quando for necessário garantir a segurança e a soberania nacionais, ou em casos de relevante interesse coletivo.
O contrato de concessão ou permissão para as ferrovias exploradas em regime público deve explicitar as obrigações de investimentos para aumento da capacidade instalada ao longo do período de contrato, visando reduzir o nível de saturação do trecho ferroviário, assegurado o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Assim como os limites da garantia de capacidade de transporte a terceiros, por meio do contrato de acesso à infraestrutura ferroviária, assegurada a remuneração pela capacidade contratada.
O relatório de Jean Paul Prates reforça que, embora os preços cobrados no regime de autorização não sejam previamente estipulados pelo regulador, as empresas autorizadas sujeitam-se ao controle dos órgãos de defesa do consumidor, que têm autoridade para coibir a cobrança de preços abusivos. Além da extinção contratual (com o fim do prazo estipulado), o marco regulatório mantém outras possibilidades de extinção dos contratos. Casos de negligência, imperícia ou abandono, descumprimento reiterado dos compromissos assumidos, ou até mesmo em virtude de excepcional relevância pública, poderão levar à extinção dos contratos.
O projeto determina que a criação de gratuidades ou descontos em ferrovias autorizadas só pode ser feita por meio de lei que preveja recursos orçamentários específicos para seu custeio. Essa limitação não afeta o direito da própria operadora de dar gratuidades ou descontos, segundo sua conveniência.
Em fevereiro, durante reunião promovida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, os governadores do Espírito Santo, Renato Casagrande, e de Minas Gerais, Romeu Zema, cobraram do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, a participação dos dois estados e de Goiás nos recursos gerados pela renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).
A FCA é explorada pela VLI, consórcio formado pela Vale, um grupo canadense e outro japonês. Para a renovação do contrato por mais 30 anos, a VLI teria de investir R$ 13 bilhões. De acordo com os governadores do Espírito Santo e de Minas Gerais, não há previsão de recursos para os estados que integram o corredor Centro-Leste, que começa em Goiás, passa pelo interior mineiro e chega ao porto de Vitória (ES).
O encontro na Presidência do Senado contou ainda com a presença de parlamentares do Espírito Santo, Minas Gerais e Goiás, além do senador Jean Paul Prates (PT-RN), relator do PLS 261/2018.
— Nosso posicionamento é que, com o compromisso do Ministério da Infraestrutura de atender pelo menos em parte de nossas demandas, a votação do Marco das Ferrovias pode seguir. Mas isso ainda será objeto de discussão das bancadas — disse à época o senador Carlos Viana (PSD-MG), que é vice-líder do governo no Senado.
Navegantes
Também está na pauta da audiência com Tarcísio Gomes de Freitas a construção de uma nova pista de pouso e decolagem no Aeroporto de Navegantes, em Santa Catarina. A questão já foi tema de audiência da CI, em 5 de abril. Na ocasião, os senadores catarinenses receberam representantes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e manifestaram preocupação com um possível desacordo entre os termos do edital de concessão do aeroporto e a construção da segunda pista.
O ministro da Infraestrutura também será questionado sobre o aporte de recursos federais e estaduais para obras nas rodovias federais de Santa Catarina e na rodovia BR-156, no Amapá.
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