Numa sessão marcada por bate-boca e desentendimentos entre senadores da oposição e governistas, o presidente da CPI da Pandemia, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu encerrar mais cedo o depoimento do deputado Ricardo Barros nesta quinta-feira (12). O líder do governo na Câmara — que foi convidado e não convocado para testemunhar — negou qualquer envolvimento com possíveis irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin, por algumas vezes confrontou a CPI e se disse vítima de narrativas mentirosas.
No último dos confrontos, alegou que a postura agressiva adotada desde o início pela comissão de inquérito acabou afastando empresas interessadas em vender imunizantes ao Brasil. A afirmação provocou reação imediata dos oposicionistas, que criticaram a postura de Barros. Após o tumulto, Omar Aziz suspendeu os trabalhos pela segunda vez, retomando rapidamente para encerrar em seguida, após questão de ordem de Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
— Espero que esta CPI traga bons resultados para o Brasil e produza efeito positivo, pois o negativo já produziu, afastando muitas empresas interessadas em vender vacina ao Brasil e que não se interessam mais — acusou Barros.
O senador Omar Aziz rebateu, dizendo que a CPI não atrapalhou a venda de vacinas, mas impediu práticas de corrupção no Ministério da Saúde. Ainda segundo o presidente, empresas já se manifestaram dizendo que querem, sim, vender imunizantes para o país.
— Quero deixar bem claro para a população: se hoje estamos vacinando com vacinas compradas a um preço justo é graças a essa comissão — afirmou Aziz.
O senador Alessandro Vieira pediu que o colegiado consulte o STF para avaliar quais medidas podem ser aplicadas ao depoente parlamentar que mente à CPI. Logo após, pediu o encerramento da reunião para que o líder do governo retorne na condição de convocado, e os pedidos foram aceitos por Omar Aziz.
As divergências na reunião desta quinta-feira já começaram na primeira pergunta feita pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) sobre a reação do presidente Jair Bolsonaro ao ser informado, pelo deputado Luiz Miranda (DEM-DF), a respeito de possíveis irregularidades na contratação da Covaxin.
Ricardo Barros esclareceu que Luis Miranda teria levado uma foto dele ao encontro com Bolsonaro e, ao mostrar, o presidente teria perguntado — e não afirmado — sobre o seu envolvimento com o caso.
— Luis Miranda faz teatro e fala que o presidente falou meu nome. Ele levou ao presidente minha fotografia numa reportagem do caso Global. E provavelmente foi a este fato que o presidente se referiu. [...] Em todas as suas falas, Miranda disse que o presidente, na verdade, perguntou se eu estava envolvido no caso e nunca afirmou que eu estava. O presidente nunca afirmou e não tinha como desmentir o que não afirmou — destacou.
Barros foi parar na CPI depois que Miranda denunciou suspeita de irregularidades na contratação da vacina indiana Covaxin pelo governo federal. Ele relatou que esteve reunido com Jair Bolsonaro e lhe informou o problema. Segundo o deputado, o presidente teria dito então que “isso era coisa de Ricardo Barros” e que iria determinar uma investigação.
A denúncia resultou num inquérito da Polícia Federal, que apura se o presidente da República cometeu crime de prevaricação, caso não tenha tomado providências para apuração dos fatos.
O assunto relativo à Global chamou atenção de alguns dos integrantes da CPI. A Global Gestão em Saúde é sócia da Precisa Medicamentos, representante da Baraht Biotech, fabricante da Covaxin, e teve problemas para cumprir contrato de fornecimento de medicações, quando Barros era ministro da Saúde do governo Michel Temer.
Barros responsabilizou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pelo atraso na entrega dos produtos. Segundo ele, a Anvisa negou o cumprimento de duas liminares que determinavam a concessão de licença de importação para os remédios de alto custo.
Segundo o ex-ministro, a licença só foi liberada depois que a Advocacia-Geral da União entrou na Justiça e assegurou uma terceira liminar. De acordo com o depoente, a Global fez uma entrega parcial de medicamentos, mas não conseguiu cumprir todo o contrato porque o fabricante, àquela altura, havia proibido a entrega de novos lotes. Em acordo firmado após a saída de Barros, a Global teria devolvido R$ 2,8 milhões ao ministério.
Ricardo Barros afirmou que não tomou medidas contra a Global pelo descumprimento do contrato para fornecimento de medicamentos contra doenças raras por ter deixado o Ministério da Saúde em abril de 2018 para se candidatar a deputado. Ele acusou a farmacêutica Sanofi de ameaçar outros fornecedores no mundo, para que não entregassem o produto à Global.
— A Sanofi, uma vez que a Anvisa demorou pra cumprir a licença de importação, teve tempo de ameaçar todos os seus fornecedores no mundo de que não vendessem para a Global para entregar nessa compra aqui, e a Global não pôde fazer o cumprimento do contrato. Se vocês não querem entender como funciona, isso é um mercado selvagem. Selvagem — justificou.
O relator Renan Calheiros (MDB-AL) questionou o porquê de Barros, então ministro, ter autorizado o pagamento antecipado de R$ 20 milhões à empresa Global. O fato causou novas discussões e críticas de senadores oposicionistas.
A testemunha esclareceu que a pasta atendeu acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), que permitia o pagamento antecipado a critério do administrador. Ainda segundo o depoente, esse tipo de pagamento era frequente para oferecer agilidade no atendimento a decisões judiciais.
A informação, no entanto, foi contestada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que chegou a ler o acórdão citado por Barros, que não faz referência a repasse antecipado. Após o desencontro de informações, o líder disse que apresentaria à comissão todos os acórdãos que tratam do assunto.
O deputado negou que tenha tentado privilegiar a Precisa Medicamentos ao apresentar uma emenda à Medida Provisória 1.026/2021, que facilitava a compra de vacinas, insumos e serviços necessários ao combate à covid-19, com dispensa de licitação e regras mais flexíveis para os contratos. A emenda do parlamentar autorizava o governo a comprar e a importar imunizantes que tivesse já sido liberados pela autoridade sanitária da Índia.
O parlamentar disse que apresentou uma emenda específica tratando da Índia porque o país é o maior fabricante de vacinas no mundo.
— Eu nem sabia que a Precisa representava a Covaxin no Brasil ao momento da apresentação da emenda — disse.
A versão, no entanto, não convenceu alguns senadores, entre eles, Eliziane Gama (Cidadania-MA), que alegou que vários outros parlamentares apresentaram emendas para que o Brasil pudesse importar vacinas aprovadas por autoridades sanitárias de “um conjunto de países”. Para ela, no entanto, Barros “só se preocupou com a Índia, que tinha contrato com a Precisa”.
O deputado classificou a afirmação da senadora como “ilação” e disse que não poderia aceitar tal desconfiança.
Logo na abertura da reunião, a CPI aprovou um requerimento que assegura publicidade ao processo administrativo do Ministério da Saúde para a compra da vacina Covaxin. Segundo Simone Tebet (MDB-MS), um servidor da pasta impôs sigilo de 100 anos sobre os documentos, que foram entregues neste mês à comissão.
A senadora afirmou que já leu toda a documentação sobre a compra do imunizante indiano. Segundo ela, o processo traz “inúmeras irregularidades e crimes”. Simone lembrou uma anedota atribuída ao ex-senador Rui Barbosa sobre roubo de galinhas. Ela perguntou a Omar Aziz (PSD-AM):
— O que faço com tudo o que li, com tudo que vi? Devolvo e espero decisão judicial? Levo ou não levo as galinhas?
Com bom humor, o presidente da CPI respondeu:
— A senhora pode fazer uma boa canja.
— Já fiz. Só vamos servir no momento oportuno — arrematou Simone Tebet.
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