Em depoimento à CPI nesta quinta-feira (5), o ex-assessor especial do Ministério da Saúde Airton Cascavel reconheceu que “picaretas das vacinas” procuraram o órgão para tentar negociar a venda dos imunizantes anticovid.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) questionou o depoente sobre o por quê de se priorizar “um bando de picareta” que estavam tentando aplicar um golpe no Brasil.
— Um golpe do mais vil, do mais desumano, querer ter um oportunismo materialista diante de uma situação humanitária. Por que, em vez de dar importância a isso [o combate à pandemia], ficamos perdendo tempo em discussão de vacinas que não existiam, em discussão com pessoas que não tinham nenhuma representação legal, verdadeira, quando nós tínhamos a Fiocruz, para conversar com a AstraZeneca? Nós podíamos ter comprado em agosto [de 2020] a Pfizer, pra começar a vacinar em janeiro... Por que não fizemos? Por que que demoramos tanto para resolver, de forma correta, a questão da vacinação?
O ex-assessor apenas afirmou ao senador que nunca recebeu os “picaretas” no ministério e sequer respondeu às mensagens enviadas ao seu celular para oferta de vacinas.
— Eu quero dizer que, quando se fala de picaretas da vacina, eu criei ojeriza de ver isso. Eu estava no ministério, senador, e quantos picaretas apareciam. E eu resolvi, a mim, não receber nenhum, porque no momento em que você não tinha a fábrica da AstraZeneca, não tinha um milhão de vacinas para entregar para o Brasil, picaretas apareciam querendo vender 200 milhões, 100 milhões, era para todo lado, de todo jeito.
Para a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), quando se faz referência aos "picaretas", que tiveram a atenção do Ministério da Saúde, “é bom lembrar que alguns dos contratos chegaram, inclusive, a ser efetivados”, tendo sido abortados a partir da atuação da CPI da Pandemia.
— Nós tivemos aí, no caso da Covaxin, o empenho, inclusive por parte do governo, de R$ 1,6 bilhão, contrato feito em cima de uma vacina que não tinha autorização nem de agência brasileira e nem de agência do seu país de origem que, no caso, era a Índia — inclusive, com pedido de antecipação de 45 milhões de doses — expôs a senadora.
As outras vacinas não vieram a ter o contrato efetivado, segundo Eliziane, mas várias tratativas e reuniões foram feitas inclusive com o mais alto escalão do ministério. Além disso, Eliziane cobrou Cascavel por não ter denunciado e nem alertado o próprio Ministério da Saúde. A seu ver, houve prevaricação do ex-assessor, que chegou a ser procurado pelo PM Luiz Dominguetti, que oferecia vacinas. O depoente admitiu o contato, mas reforçou que não o teria respondido.
O senador Jorginho Mello (PP-SC) enfatizou sua “ decepção por tantos que se dizem brasileiros recorrerem ao Ministério da Saúde para vender equipamentos e principalmente vacina”.
— É uma vergonha nacional! Eu quero entender que foi pelo desespero que se queria comprar vacina. Quando a gente ouviu aqui o Dominguetti, fazendo contatos, conversas e reuniões intermináveis para vender vacina, e o Cristiano. (...) com todo respeito à figura, às pessoas humanas deles, mas uma lástima de pessoas que foram ouvidas lá no ministério.
Ao senador Eduardo Girão (Podemos-CE), um dos autores do pedido de convocação de Cascavel, este afirmou que havia um consenso de que todas as vacinas deveriam estar centralizadas no Plano Nacional de Imunização, mas declarou que a "politização da vacina" acabou por atrapalhar o processo.
Enquanto trabalhava no ministério, segundo Cascavel, a pasta nunca interrompeu o diálogo com o Instituto Butantan, que produz a Coronavac no Brasil.
— Nunca deixou o ministério de falar com o Butantan, até porque o Butantan é fornecedor de insumos para o ministério há muitos e muitos anos.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), Cascavel pouco acrescentou ao trabalho da CPI.
— Então, acho que, se há alguma coisa que nós podemos hoje aqui tirar desse depoimento, é isto: que este é o governo da informalidade, este é o governo em que o Dominguetti [representante da Davati que afirmou ter recebido pedido de propina para comercialização da AstraZeneca com o ministério] é atendido pelo ministro da Saúde, em que alguém se reúne à mesa de um bar com o representante de uma empresa para pedir propina.
Os senadores governistas enfatizaram o empenho do depoente em atender as demandas de parlamentares, prefeitos e governadores para o enfrentamento à pandemia nos estados.
O líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e os senadores Marcos Rogério (DEM-RO), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Jorginho Mello elogiaram a atuação de Airton Cascavel no Ministério da Saúde.
— Cascavel fez a interlocução com os governadores e prefeitos, com dedicação e empenho para atender as demandas que fazíamos em relação à pandemia, particularmente, quero registrar o caso de Petrolina — disse Fernando Bezerra.
Ao criticar colegas na CPI, Marcos Rogério elogiou Cascavel por sua “sensibilidade para ouvir e intermediar” e afirmou que muitos senadores que o criticam na CPI, no particular, têm reconhecimento e gratidão pelo trabalho desenvolvido pelo ex-assessor.
— Ele fez todo o trabalho de meio de campo. Como alguém que já foi parlamentar, nunca faltou ao atendimento, como conseguir respiradores para os estados, Rondônia foi um deles. [...] Quando alguém busca fazer, condenam porque está fazendo. "Ah, está! Tem mais poder do que o ministro!". Quando não está fazendo, condenam também.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) observou que, dada a informalidade com que atuou inicialmente, a participação de Cascavel no ministério foi irregular. Para ele, as respostas do ex-assessor evidenciam que o convite para o Ministério da Saúde se deu por uma ligação pessoal com o ex-ministro Eduardo Pazuello e não por competência técnica. O senador, reconheceu, contudo, o atendimento prestado pelo ex-assessor no envio de respiradores ao estado de Sergipe quando foi solicitado, no auge das internações em decorrência de covid-19.
Em resposta a Alessandro Vieira, Cascavel confirmou que já respondeu a processo por corrupção, quando foi prefeito de Mucajaí (RR), mas que foi inocentado no STF. Ele também confirmou um processo por grilagem de terra, mas disse não saber a situação do processo. Admitiu ainda que não tem especialização na área de saúde, mas é especialista em gestão de pessoas.
Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Eliziane Gama também consideram que Cascavel praticou crime de usurpação da função pública ao ter exercido, durante um período, função de assessor do Ministério da Saúde sem ter sido nomeado.
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